quinta-feira, 24 de novembro de 2016

AJUDA DOS ATORES INTERNACIONAIS

DISCUSSÃO SOBRE QUAL É O IMPATO QUE SE DEVE ESPERAR DA AJUDA INTERNACIONAL NAS GUERRAS CIVIS EM GERAL? REFLEXÃO DE “LIVRE-DOCÊNCIA” DO MAJOR DE INF SILVA ANLI, ISEDEF, ANO 2016 Caros colegas do ISEDEF, discussões desta natureza submete-nos á um clima de pesquisa institucional de natureza científica, deixando assim o “populismo” fora da instituição, (…)! Temos vindo a fazer reflexões sobre diversa matéria, não porque não podemos ficar “no cepticismo”, mas não julgamos inteligente copiar-mos a filosofia Helénica, em que os cépticos diziam:”nada se pode fazer, pois, o homem não tem capacidade de conhecer nada…,só DEUS é dono de sabedoria,(…)! Caros colegas, na verdade, a pesquisa pertence ao “homem e não a DEUS”, todas proposições podem ser transformadas em pesquisa científica para a solução de problemas dedutivas e indutivas. Abaixo temos estas proposições que nos levam á um debate que acima propomos. Caros colegas do ISEDEF, Académicos e Similares, a quatro questões fundamentais parecem impor-se para se avaliar o impato da ajuda internacional e para se verificar a sua eficácia ou a sua má influência sobre o desenrolar da guerra civil, a saber: “quem, quando, como e porque se ajuda em geral”? Assim, nesta discussão, caros colegas, em primeiro lugar, tentamos retratar os recetores da ajuda e a altura em que os doadores tendem a ajudar. Seguidamente, analisamos como é realizada essa ajuda, dividindo-a em ajuda humanitária de emergência e em financiamento do desenvolvimento. Caros colegas, a essas questões associamos o problema da dependência dos recetores e da condicionalidade dos doadores e analisamos o caso específico da abordagem do Banco Mundial, que consiste em “Boas Políticas Mais Dinheiro, é isso mesmo?”.É também focada a influência da ajuda no orçamento estatal, como um dos paradigmas a considerar. Caros colegas, questionamo-nos depois sobre os objetivos que estão por detrás da ajuda disponibilizada pelos doadores internacionais, quer bilaterais, quer multilaterais. Analisamos, por fim, como era de esperar neste debate, dois tipos de abordagem, designadamente: os incentivos e desincentivos para a paz , e a abordagem “Do No Harm “(não prejudicar)…,(…)! Os recetores da ajuda, quem são, caros colegas? Caros colegas, uma das principais críticas dirigidas à ajuda internacional prende-se com o fato de serem priorizados os países com rendimento médio em detrimento dos países pobres, ou seja, países com redimento baixo, tendência que ignora as necessidades mais prementes e que poderá ser explicada essencialmente pelas motivações económicas dos países doadores, como afirmam COLLIER et al.(2003:157-168). CHAUVET, (2002:33-58), por exemplo, desenvolveu um estudo econométrico para analisar de que forma a instabilidade sociopolítica dos países recetores influencia a afetação de ajuda internacional, tendo concluído que os doadores tendem a reagir consoante três fatores primordiais: 1. o tipo de instabilidade sociopolítica do país; 2. as caraterísticas dos países recetores e 3. o tipo de ajuda recebida (multilateral ou bilateral). CHAUVET, (2002:39-52), considerou três tipos de instabilidade sociopolítica: violenta (inclui assassínios políticos, guerras de guerrilha e guerras civis), social (sinais de descontentamento da população, tais como greves, protestos, etc.) e de elite (ruptura na vida política, através de golpes de Estado, revoluções, grandes crises governamentais, etc.). CHAUVET, (2002:39-49), afirma que, se o objetivo da ajuda externa é reduzir a pobreza, então os países menos estáveis deveriam receber mais apoio e a instabilidade deveria aumentar a quantidade de ajuda recebida consideravelmente. Caros colegas, os próprios doadores deveriam querer ajudar mais esses países, independentemente do tipo de instabilidade sociopolítica, por forma a tentar estabilizá-los, preservando os seus próprios interesses comerciais, de investimento, de segurança e geopolíticos ou geosestratégicos, por exemplo, no caso de Moçambique. Caros colegas, o problema é que a instabilidade pode modificar os interesses dos doadores. Como exemplo de Moçambique, se as perdas políticas e económicas daí resultantes forem muito significativas, a ajuda internacional pode diminuir significativamente, independendemente das motivações geoestratégicas ou geopoliticas, (…)! Um outro exemplo, se um país sofre instabilidade política com destruição massiva de infra-estruturas e mortes, os doadores adversos ao risco poderão desviar a ajuda desse país, afirma CHAUVET, (2002:40-45). Quanto ao tipo de ajuda, CHAUVET, (2002:41-54), sustenta que doadores bilaterais e multilaterais reagem de forma diferente à instabilidade. Por exemplo, é consensual a importância dos interesses estratégicos, históricos e comerciais na alocação da ajuda bilateral, pelo que a instabilidade sociopolítica poderá atrair os interesses dos doadores bilaterais, pois os motivos geoestratégicos são mais relevantes, (…)! Esse tipo de instabilidade tende a ser uma variável de necessidade, pois os doadores altruístas podem responder-lhe positivamente numa emergencia. No entanto, caros colegas, o tipo de ajuda também depende das características dos países recetores, designadamente a pobreza e a exportação de petróleo. Os países de baixo rendimento recebem menos ajuda dos doadores bilaterais, desencorajados de apoiar e compensar o país. Há, assim, caros colegas, um efeito de desencorajamento face à instabilidade violenta e social, mas não para a instabilidade de elite, caso impossivel em certos países. Já no caso dos países de rendimento médio, a instabilidade tem um efeito positivo na afetação da ajuda bilateral numa primeira fase. No caso da ajuda multilateral, o cenário é bem diferente, pois esta reflete o mérito dos países recetores e pode tender a recompensar os países mais estáveis, diz CHAUVET, (2002:41-48). Assim, caros colegas, repito, a influência da instabilidade violenta e de elite é positiva, enquanto a social é negativa para os países pobres, como exemplo de Somalia e similares. Os exportadores de petróleo, por sua vez, possuem riqueza e representam uma aposta geopolítica para os doadores, o que torna esta característica uma variável de interesse, afastando os efeitos da instabilidade na alocação da ajuda multilateral, como o caso de alguns países de Medio Oriente e similares. Porém, quando instáveis, esses países recebem menos ajuda bilateral, independentemente do tipo de instabilidade, na medida em que os doadores bilaterais são influenciados pela aversão ao risco, pois mais tarde em debates similares, discutiremos de fato o que é o risco? Caros colegas, no caso dos países de rendimento médio não exportadores de petróleo, a instabilidade de elite e violenta influencia a alocação de recursos, enquanto a social não o faz, quer ao nível da ajuda bilateral, quer ao nível da multilateral. A propósito dos vários comportamentos possíveis pelas OIs quanto à escolha dos recetores da ajuda, FREY, (1984:162-169), indica o caso do Banco Mundial (BM) em que foram comparados quatro modelos comportamentais que definiram aqueles a quem foram dados ou alargados os créditos: o modelo das necessidades priorizou os países que mais precisam; o modelo do merecimento priorizou os que mais mereciam; o modelo da benevolência em que as ações benevolentes do BM agiram em conformidade com os objetivos oficialmente estipulados; e o modelo político-económico em que o BM é considerado uma burocracia que acompanha a utilidade dos seus membros, sujeitos a constrangimentos políticos e económicos. FREY, (1984:162-173), indica que o modelo político-económico revelou ter a melhor performance, o que sugere que, além dos fatores económicos (PIB pc, inflação, balança de pagamentos deficitária, etc.), também se deve ponderar fatores políticos (clima capitalista ou a instabilidade política resultante de greves e motins frequentes que incapacita o estado). Caros colegas, os resultados revelam ainda que as influências económicas, culturais e políticas resultantes do antigo estatuto do país recetor como colónia, são importantes pelo menos no caso da França e dos EUA. Caros colegas, apesar da tendência verificada em apoiar mais os países de rendimento médio face aos pobres e países em situação política mais estável face aos países com instabilidade política, a exceção à regra poderá ser a Iniciativa LICUS (Países de Baixo Rendimento sobre Stress) do BM iniciada em 2001 que consiste num novo tipo de abordagem de atuação em países onde os programas de ajuda tradicionais não foram eficazes. Ou seja, países LICUS caracterizados por políticas, instituições e governos fracos; por terem falta de capacidade ou tendência para usar as finanças para reduzir efetivamente a pobreza e que, frequentemente, restringem a liberdade de diálogo e de participação pública,(…)! Atenção, caros colegas, não são “Estados falhados”, mas tendem para esse percurso. Caros colegas, o grande objetivo da Iniciativa é promover uma agenda para o desenvolvimento que, apesar dos constrangimentos provocados pela pobreza, aposte na reforma das políticas económicas e se centre em duas áreas fundamentais: desenvolvimento de capacidades (capacity building) e reforma gradual. Por exemplo, em situações de pós-conflito, ilustram COLLIER et al. (2003:176-179), há que apostar no fortalecimento das capacidades técnicas através do financiamento do regresso da diáspora. Como funciona o timing da ajuda Caros colegas, a tendência que se verifica é que os doadores ajudam um país quando este se encontra já numa situação de guerra civil e tendem a retirá-la prematuramente. Mas será que os doadores ajudam na altura certa? No entanto, esta situação alterou-se mais recentemente, nomeadamente na última década do século XX. Segundo STAINES (2004:27-31), a ajuda externa aos países de baixo rendimento em geral e aos países da África Subsariana, em particular,declinou significativamente desde o início dos anos 90, ao mesmo tempo que tendeu a apoiar menos os países em conflito e mais os esforços de recuperação pós-guerra. Estas tendências são ilustradas na tabela abaixo: Tabela de Fluxos de Recursos Líquidos Oficiais dos Países Recetores STAINES, (2004:27-34), acrescenta que, se durante a Guerra Fria a ajuda esteve na linha de combate frequentemente antes da eclosão do conflito, na década de 90 a ajuda esteve mais afastada e, por vezes, terminou antes do fim do conflito. Normalmente, a ajuda aflui logo após o eclodir do conflito e durante os primeiros anos de guerra devido à publicidade internacional e à vontade dos doadores de estarem envolvidos no acontecimento, segundo COLLIER et al. (2003:157-165). Passada essa primeira fase, a ajuda rapidamente diminui e, no 3º ou 4º ano após o início do conflito, posiciona-se abaixo dos níveis normais, o que se deve a fatores como a política deteriorada do país em guerra, o seu rendimento per capita e a sua população, além de ser também uma resposta à política e à duração da guerra, caros colegas. Assim, ao fim do 4º ano de guerra, a ajuda terá declinado em mais de 50% do PIB simplesmente devido a esse efeito. Segundo COLLIER et al. (2003:157-158), a ajuda deveria ser maior na primeira década pós-conflito e, posteriormente, deveria ser reduzida de forma gradual. Nessa primeira década, é também fundamental que o Governo canalize a ajuda recebida para as reformas políticas e económicas, com o objetivo de assegurar um crescimento económico rápido e uma sociedade mais segura no futuro. Todavia, o problema é que a maior parte dos doadores não tem um processo sistematizado de distribuição da ajuda no palco de guerra, caros colegas. Também UVIN, (2001:11-21), sublinha a importância do timing da ajuda. O autor afirma que, quanto mais polarizados se tornam os conflitos antes da intervenção dos doadores, mais dispendiosa é a ajuda e menos significativos são os seus resultados. Além disso, as novas oportunidades de paz tendem a surgir após a assinatura de acordos de paz, o que implica uma capacidade de resposta dos doadores mais rápida nessa fase. Mais eficaz que a ajuda durante e no pós-guerra é a prevenção do conflito e da degradação do contexto socioeconómico e político do país. MUSCAT, (2002:16-19), afirma que, nessa altura, ainda há alguma margem de manobra para iniciativas de prevenção e alguma capacidade para mitigar o conflito, antes que a violência implique intervenção pela força. A prevenção é mais eficaz do que a resolução. Assim, o autor considera que é irónico o fato de haverem menos razões ou justificações para as agências de desenvolvimento internacional se preocuparem com as implicações dos seus programas, em termos de exacerbação ou melhoria do conflito, na fase em que as partes ainda revelam alguma flexibilidade e em que a retórica política ainda não foi deteriorada. É também nos anos anteriores ao conflito que a consciência internacional e as atenções face às potencialidades do conflito ainda estão adormecidas. No entanto, durante os anos em que os conflitos políticos e socioeconómicos internos se mantêm não-violentos, assume-se que a gestão ou a resolução desses conflitos é da responsabilidade da política local e das instituições e processos jurídicos, afirma MUSCAT, (2002:16-21). Só quando os processos locais falham e os conflitos se tornam violentos é que os esforços de resolução de conflito internacional assumem legitimidade e se iniciam. Ainda sobre a questão do timing, CHARD, (2003:18-26), aponta um problema importante. Segundo a autora, “a cultura de financiamento de projetos a termo certo” tornou-se uma forma conveniente de contabilizar a preocupação dos governos doadores, apesar de ter provado ser incompatível com a abordagem do processo de aprendizagem que requer um desbloqueamento flexível dos fundos na altura em que estes podem ser absorvidos eficazmente. Neste sentido, UVIN, (2001:11-18), sublinha o fato da promoção da paz ser um processo dinâmico que requer uma visão e compromisso de longo prazo por parte dos doadores, a par de uma maior coordenação entre estes. O impato da ajuda humanitária no conflito, em guerras civis, e as teorias dos maximalistas e dos minimalistas humanitários Caros colegas, nem sempre a performance dos doadores e os resultados da ajuda são positivos, pelo que se instituiu o debate sobre a eficácia da ajuda, sobre o tipo de ajuda mais adequado em cenários de conflito e sobre a forma como esta se rege em geral. MUSCAT, (2002:9-17), diz, por exemplo, que se coloca a questão de se decidir se as agências humanitárias devem ou não continuar a socorrer os refugiados, quando se sabe que enormes quantidades de alimentos e outros bens são desviados para os combatentes, as guerrilhas e similares. Já AGERBACK, (1996:29-39), afirma que é necessário fazer uma cuidadosa avaliação das necessidades antes da intervenção para que a ajuda não exacerbe os problemas subjacentes e as causas do conflito. PERRIN, (1998:1-11), analisou o impato da ajuda humanitária no prolongamento do conflito com o objetivo de retirar conclusões para o trabalho futuro. O autor considera que “ideias pré-concebidas devem ser desmontadas – como por exemplo, a de que a ajuda humanitária prolonga sempre o conflito – se queremos analisar, de um modo justo, de que forma a ajuda humanitária influencia o desenvolvimento do conflito”. PERRIN, (1998:2-14), começa por sublinhar os efeitos positivos da abordagem abrangente da ajuda que combina a assistência e a proteção com estratégias de médio prazo e que tem o mérito de salvar vidas, aliviar o sofrimento, melhorar a saúde, etc. Todavia, o autor aponta, caros colegas, seis formas através das quais a ajuda humanitária pode ter um efeito negativo nas vítimas e nos sistemas locais: 1.a ajuda pode desencorajar aqueles que optam por confiar nela a longo prazo em detrimento dos seus próprios meios de ultrapassar a crise; 2. “as operações mal geridas podem prejudicar mais do que fazer bem”, afirma PERRIN, (1998:4-12). Por exemplo, diz o autor, a descontrolada distribuição de leite em pó feita no início da década de 80 a grandes grupos populacionais causou-lhes problemas de saúde; 3. a ajuda atrai pessoas que tendem a concentrar-se nos centros de distribuição. Esta situação provoca um excesso de pessoas nos campos, que já têm problemas de saúde e de segurança; 4. a ajuda pode provocar alterações significativas no tipo de vida dos beneficiários, encorajando, por exemplo, uma tendência para a produção agrícola orientada para o lucro, enquanto as necessidades alimentares básicas são asseguradas pela ajuda. Com o fim desta, as populações passam fome; 5. a ajuda pode estimular os líderes nacionais a transferir recursos dos programas socioeconómicos para outros fins, tais como a aquisição de armas; 6. por último, PERRIN, (1998:4-9), afirma que a ajuda pode ser interpretada como um apoio aos sistemas políticos em vigor quando é entregue diretamente aos seus líderes, que os distribuem em seu nome ou lhe dão outro uso corruptível. PERRIN, (1998:5-17) sustenta que, para analisar o impato da ajuda no conflito, se deve ter em conta a 2 parâmetros: o nível de violência e a duração do conflito. Quanto ao primeiro parâmetro, “a ajuda humanitária pode aumentar a violência no conflito”, afirma PERRIN, (1998:5-17), quando os beneficiários da ajuda (quer a população em geral, quer os prisioneiros) se tornaram o alvo dos grupos armados que buscam bens de auxílio, o que pode ser conseguido de diversas formas: 1. pressão ou intimidação dos beneficiários para que dêem a ajuda recebida; 2. o alistamento forçado de jovens ou o deslocamento forçado de grandes grupos populacionais para as zonas onde é distribuída a ajuda alimentar ; 3. captura de reféns num grande grupo populacional para servirem de isco à ajuda humanitária; 4. ataques diretos à população beneficiária da ajuda (sequestro, assassínio); 5. ataques aos armazéns e comboios humanitários. Neste quadro, PERRIN, (2004:5-17), sustenta que “onde o Estado está enfraquecido, a ajuda humanitária contribui diretamente para exacerbar a situação, principalmente estabelecendo uma economia paralela ou um sistema de saúde não-estatal, desenvolvido pelas organizações humanitárias”. Este efeito “é ainda mais sério quando o Estado já está em “colapso ou falhado”, na medida em que acelera esse colapso e aumenta o risco de violência descontrolada”(PERRIN,2004-19-163). Quanto ao segundo parâmetro – a duração do conflito, PERRIN, (1998:6-19-128), afirma que a ajuda pode influenciá-lo, na medida em que o seu desvio para a aquisição de armas tende a prolongar o conflito. Além disso, a ajuda tende a substituir a ação política na resolução do conflito. Assim, “a ajuda contribui para reduzir o nível de violência (...), mas, aos olhos do mundo político, este fato minimiza a necessidade de resolver o conflito e, dessa forma, prolonga-o”. Por outro lado, PERRIN, (1998:5-17), sublinha que a ajuda pode também influenciar positivamente o conflito e contribuir para a redução da violência, aliviando e prevenindo o sofrimento humano, a fome, a sede e a doença, e lutando contra as violações do DIH. A ajuda pode ainda encurtar o conflito, quando a presença de pessoal humanitário estimula o diálogo entre beligerantes e influencia as negociações para pôr fim às hostilidades. Quanto à atuação da ajuda humanitária face a uma consequência muita específica das guerras – o fluxo de refugiados, o ACNUR, (2000:293), defende que “(...) a assistência humanitária aos refugiados já não é necessariamente encarada como um ato neutro, exterior à dinâmica do conflito”. A agência explica que, quer o ACNUR, quer outros intervenientes humanitários, tendem a ser cada vez mais considerados como partes no conflito, especialmente quando um dos beligerantes é “claramente mais responsável do que o outro pelas atrocidades que provocam as deslocações”. Exemplo disso é a guerra na Bósnia em que se temia que a retirada das minorias em perigo para zonas de segurança facilitasse a limpeza étnica, ou a crise de refugiados no Ruanda entre 1994 e 1999, em relação à qual o ACNUR foi muito criticado pelo fato de alimentar os responsáveis pelo genocídio e, assim, alimentar novos conflitos. Face a isso, o ACNUR, (2000:293), sustenta que “a assistência humanitária pode, inadvertidamente, prolongar o conflito, manter os violadores, manter os violadores dos DH e minar as instituições locais que asseguram a auto- suficiência das populações”, embora reconheça que o preço a pagar pela suspensão da assistência para evitar consequências indesejadas pode implicar o sofrimento e a morte de pessoas inocentes. Decisões deste tipo são inerentemente políticas, como afirma a agência, cabendo aos intervenientes humanitários a decisão ingrata de “escolher entre nada fazer ou optar pelo mal menor”. Também no contexto pós-guerra são apontadas críticas à ajuda internacional. ARMIÑO, (1997:16-17), considera a ajuda cara e pouco eficiente e afirma mesmo que “os seus resultados são escassos e, por vezes, mesmo negativos e pouco sustentáveis no tempo”. O autor explica esta ineficácia pelo fato de se priorizar a ajuda humanitária e o desenvolvimento em detrimento da reabilitação pós-guerra – área que considera fundamental para promover a reconciliação e a reconstrução económica, social e política. Defende, assim, a promoção da ajuda à reabilitação vocacionada para: 1. a pacificação e a manutenção da segurança, através de ações de desmobilização, desminagem, supervisão de acordos de paz; 2. a reabilitação material e económica, através da reintegração de refugiados e deslocados de guerra, da segurança alimentar, da reabilitação de infra-estruturas; 3. a reabilitação dos serviços sociais básicos, designadamente de saúde, educação e abastecimento de água potável; 4. a reabilitação da sociedade, através do apoio às populações mais vulneráveis – mulheres e crianças - , da superação de sequelas psicológicas; e 5. a reabilitação política e institucional, através do apoio à criação de instituições novas e pluralistas. GOODHAND & ATKINSON, (2001:11-21), explicam que os argumentos de que a ajuda pode, em alguns casos, fazer mais mal do que bem, alimentando a economia de guerra, corroendo o contrato social entre governos e populações, legitimando a ação de grupos hostis e minando as estratégias de luta locais, levaram a que, em meados da década de 90, tivessem surgido movimentos críticos relativos ao papel da ajuda humanitária em contextos de países em conflito. Essa crítica levou à análise sobre o papel das agências de ajuda e à busca de novas abordagens de que resultaram as escolas dos maximalistas e minimalistas humanitários. Segundo os maximalistas humanitários, as “novas guerras” implicaram novas respostas que passam por combater as causas do conflito e não apenas abordar os sintomas. Esta perspectiva impulsionou um alargamento do mandato humanitário, incluindo nele objetivos de desenvolvimento e de construção de paz, além da distribuição tradicional de bens humanitários. Trata-se de uma forma mais expansiva de humanitarismo que tem por base a convição de que a ajuda deve estar associada a um sistema mais vasto e coordenado de resposta à crise, que inclua também a diplomacia e o comércio como formas de prevenção, mitigação e resolução do conflito. Segundo GOODHAND & ATKINSON, (2001:12-16), a escola maximalista representa a convergência de diversos atores, políticas e práticas e não um único organismo individual de conhecimento e prática, o que se reflectiu em mudanças institucionais. É o caso do Departamento de Conflitos e Assuntos Humanitários , antigo Gabinete de Ajuda de Emergência do Departamento de Desenvolvimento Internacional, cuja intervenção se alterou de uma visão da ajuda “paliativa” às crises humanitárias para uma ajuda com um papel ativo na redução do conflito. Um outro exemplo é a evolução no mandato do Alto Comissariado das Nações Unidas da proteção para uma função de entrega de serviços, refletindo a mudança política do Ocidente do asilo para a contenção. Na prática, caros colegas, a abordagem dos maximalistas traduziu-se no seguinte conjunto de debates políticos e princípios, esquematizado por GOODHAND & ATKINSON, (2001:13-61):  Assistência ao desenvolvimento: a ajuda deveria ser desenhada de forma a apoiar estratégias locais de longo prazo, deslocando-se o salvamento de vidas para a sustentação de vidas.  “Não fazer mal”: a necessidade de assegurar que a ajuda não tem efeitos perversos e que apoia, sempre que possível, o restabelecimento da paz.  Resolução do conflito e construção da paz: a ajuda deve ser usada na reconciliação de grupos hostis e no restabelecimento da harmonia social.  Boa governação: os maximalistas defendem a inclusão do conflito na política de desenvolvimento e a justificação da assistência ao desenvolvimento em termos de boa governação e de antídoto ao conflito estrutural.  Estabilidade estrutural: a ajuda é vista como um instrumento político, que visa combater as causas estruturais do conflito e promover uma situação de desenvolvimento económico sustentável, democracia, respeito pelos direitos humanos, estruturas políticas viáveis, condições ambientais e sociais saudáveis, com capacidade para gerir a mudança sem o recurso ao conflito.  Coerência da ajuda: os vários instrumentos políticos deveriam definir um conjunto de objetivos coerente, que estabelecesse uma ligação entre as respostas políticas e humanitárias ao conflito”. A abordagem maximalista, caros colegas, foi fortemente criticada pelo fato de atribuir à ajuda objetivos e propósitos para os quais nunca foi desenhada, levando assim à distorção dos princípios humanitários, designadamente a substituição da “neutralidade” e da “imparcialidade” pelo “humanitarismo político extremo”. Segundo GOODHAND e ATKINSON, (2001:11-24), os críticos dos maximalistas consideraram que esta abordagem expansiva representa um ataque aos princípios centrais do humanitarismo e uma perigosa manifestação da má vontade dos atores políticos em se ocuparem de conflitos intrinsecamente políticos, para os quais são necessárias respostas políticas. Por sua vez, caros colegas, os minimalistas humanitários defendem que o humanitarismo deveria regressar aos seus objetivos primários, reafirmando os seus princípios chave, designadamente a primazia da vida humana, a neutralidade, a imparcialidade e o DIH, como explicam GOODHAND & ATKINSON ,(2001:11-22). Consideram os minimalistas que é com esses instrumentos que as agências devem negociar o seu espaço humanitário para a distribuição da ajuda. Estes críticos vão ainda mais longe, dizendo que, apesar de ser reconhecida a necessidade da ajuda “não prejudicar”, não faz parte do seu mandato tentar “fazer bem”, já que isso significa corroer os princípios humanitários e afastar-se da sua tarefa de salvar vidas e não de “sustentar vidas”. As ideias da escola minimalista (back to basics) refletem-se num conjunto de iniciativas de agências de ajuda que tentam reorientar os seus princípios com base nas lições aprendidas nas décadas de 80 e 90. É o caso do Código de Conduta da Cruz Vermelha e do Programa Esfera. Segundo GOODHAND & ATKINSON, (2001:14-17), os críticos da escola minimalista, ou “back to basics”, temem que este tipo de abordagem se converta numa doutrina demasiado rígida e limitada. O debate entre maximalistas e minimalistas foi polarizado. Por um lado, os maximalistas terão provavelmente sobrestimado o impato que a ajuda pode ter nos processos políticos, afirmam GOODHAND e ATKINSON, (2001:11-28); por outro, os minimalistas parecem abdicar de qualquer responsabilidade de compromisso com um contexto político mais abrangente, o que se torna igualmente inútil, constatam os dois autores. No entanto, ambas as escolas trouxeram ideias importantes e que contribuíram para melhorar a ajuda. PERRIN, (1998:9-16), que pertence ao Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV), defende que cada situação deve ser analisada e enquadrada no respetivo contexto socioeconómico e cultural. Deve ser assegurado o acesso às vítimas através dos princípios da imparcialidade e da neutralidade, bem como o respeito pelo DIH. Caros colegas, o “Código de Conduta no Socorro em Caso de Desastre para o Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e as Organizações Não Governamentais” trata-se de um código voluntário, aplicado com base na vontade das organizações de o aceitar e manter os padrões nele definidos. Foi preparado em conjunto pela Federação Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e pelo Comité Internacional da Cruz Vermelha. O seu principal objetivo é tentar manter os altos padrões de independência, eficiência e impato na resposta às catástrofes aos quais aspiram as ONGs e a Cruz Vermelha e o Crescente Vermelho. No caso de conflito armado, o Código define que será interpretado e aplicado em conformidade com o direito humanitário internacional. Para mais informações,consultar www.icrc.org/web/por/sitepor0.nsf/html/654H33 Caros colegas, o Projeto Esfera trata-se de um conjunto de normas mínimas sobre assistência humanitária, com o objetivo de melhorar a qualidade da assistência prestada às pessoas afetadas por desastres e desenvolver a capacidade de prestação de contas do sistema de assistência humanitária em resposta a situações de desastre. Como proceder o financiamento para o desenvolvimento, caros colegas? Caros colegas do ISEDEF, na década de 60, Hollis Chenery desenvolveu um modelo de planeamento de financiamento do desenvolvimento aplicável a economias cujo crescimento económico não pode ser financiado por um aumento da poupança interna, devido à necessidade de satisfação de necessidades básicas, nem pela utilização de reservas acumuladas no passado. MAGRIÇO, (2001:52-83), explica que, na base do Modelo do Dual-Gap de Chenery, está a ideia de que o desenvolvimento económico exige uma expansão do investimento físico (I) pelo setor privado e pelo Governo que não pode ser financiada por uma expansão equivalente da poupança interna (S), devido à escassez crónica de meios financeiros ao dispor da economia, assim ( I > S). Essa situação gera um desequilíbrio do tipo I > S e uma necessidade crónica de se recorrer ao financiamento externo traduzido por um desequilíbrio ao nível da balança comercial, na medida em que as importações são superiores às exportações, caso tipico de Moçambique e países colegas, em que as exportações é que sustenta a alimentaçao básica do país! Assim, caros colegas, o autor explica que existem dois gaps por preencher: um gap entre a procura e a oferta de recursos financeiros para investimento e um gap entre as despesas de importação e as receitas das exportações. Caros colegas, o Modelo de Chenery veio defender que o financiamento externo (quer através da ajuda, quer através de empréstimos) pode preencher ambos os gaps e, assim, financiar o desenvolvimento, pois reforça a poupança interna, permite alcançar o investimento desejado e equilibra a balança comercial com a entrada de moeda estrangeira. Porém, levanta três questões: Qual o volume de financiamento necessário? Donde pode vir esse financiamento? Como é que os recursos financeiros destinados a financiar o crescimento económico podem ser afetados de forma eficiente? MAGRIÇO, (2001:52-58), explica que o modelo “permite calcular ex ante o montante de financiamento necessário (...)”, sendo que este é estimado “a partir da taxa de crescimento fixada para o produto e de funções que explicitam o comportamento da economia em causa”. CHENERY propôs ainda que o financiamento externo deveria ser tão elevado que permitisse preencher o maior dos gaps, pelo que o montante deverá ser sempre determinado pelo maior dos gaps. Esse financiamento terá de vir de fontes exteriores, dado o desequilíbrio estrutural da economia, e a sua eficácia deverá ser assegurada pelo reconhecimento da importância do investimento público no crescimento económico e pelo estabelecimento de prioridades pelo Governo em termos das necessidades da população. O Modelo do Dual-Gap sofreu algumas críticas, designadamente por parte dos defensores do Modelo de Liberalização Financeira, o qual se distingue pela persistência de um desequilíbrio e pela ausência de um papel para o ajustamento dos preços. Segundo MAGRIÇO, (2001:61), “alguns crêem que, na realidade, as economias estão normalmente num estado de desequilíbrio e não respondem, de forma flexível, às variações de preços. Outros argumentam que os ajustamentos de preços são muito fortes e legitimam o uso de modelos de equilíbrio”. COLLIER, HOEFFLER & PATTILLO, (2003:6-13), por sua vez, explicam que a visão tradicional da ajuda como financiadora dos dois gaps (poupança e câmbio) evoluiu para um papel de financiadora do investimento. Caros colegas, a ajuda passou, assim, a afirmar-se como financiadora do investimento público, o qual incide grandemente no sector das infra-estruturas. Os autores explicam, porém, que, face à fungibilidade da ajuda, esta acaba por nem sempre financiar os projetos de investimento público a que se propõe. RANAWEERA, (2004:638-654), alerta para um aspeto menos debatido da ajuda que se prende com os modelos analíticos que, à semelhança do modelo do Dual-Gap, determinam as necessidades de cada país em termos de ajuda internacional. Para o efeito, o autor compara o modelo de HARROD-DOMAR, (1999), utilizado pelo BM, FMI e pelas agências regionais, para medir os recursos externos necessários e para aconselhar os PED sobre as políticas económicas a implementar, com o modelo alternativo de HUSSAIN, (2001). Este segundo modelo aborda questões sobre como prever o crescimento, como medir o gap de financiamento, como afetar a ajuda e como medir a sua eficácia. Segundo RANAWEERA, (2004:638), Hussain considera que o modelo Harrod-Domar não é credível e acusa o BM de estar a passar de uma abordagem de investimento em ajuda para um novo paradigma de “boas políticas mais dinheiro?” Após uma análise dos dois modelos, que não aprofundamos aqui, RANAWEERA, (2004:645), conclui caros colegas, que o modelo de Thirlwall e Hussain, (1982), é uma representação parcial do modelo Harrod-Domar e que, apesar de dar ênfase à balança de pagamentos, não explica o comportamento de poupança-investimento implícito no quadro da balança de pagamentos. Por sua vez, o modelo de Harrod-Domar, seguido pelo BM, é o ponto de partida para um diálogo político entre doadores e PED, que converge no entendimento sobre a magnitude e a duração dos fluxos de ajuda. Assim, conclui que Hussan estará a exagerar sobre “fantasmas inexistentes”. A influência da ajuda no orçamento estatal dos receptores Caros colegas, a relação entre a ajuda internacional e o orçamento do Estado recetor, especificamente a nível da oscilação das despesas militares, poderá ser importante, já que, como afirma SHAW, (2003:489), a emergência da corrida regional ao armamento e os conflitos têm profundas implicações no desenvolvimento, na medida em que os recursos humanos e financeiros são desviados para a esfera militar. ARMENGOL et al. (2003:27-37), explicam que a quantidade de recursos que um Governo despende em fins militares indica, de forma bastante fiável, as suas prioridades em termos de segurança, e permite saber se pretende fortalecer a dimensão militar da mesma ou se canaliza os recursos preferencialmente para garantir a segurança humana. A tabela em baixo indica as despesas militares como share do PIB de um conjunto de países com rendimentos médios e baixos. Note-se que, para a construção dessa tabela, foram selecionados pela fonte os países com valores superiores a 4%. Caros colegas eís aqui a Tabela das Despesas Militares como share do PIB; 1997-2002: Caros colegas, no continente africano, Angola e a Eritreia tiveram as despesas militares mais elevadas entre 1997 e 2002, enquanto que na Ásia e Oceânia os valores mais elevados foram os do Paquistão. No Médio Oriente, destaca-se a Jordânia. Num quadro global, caros colegas, os PED quintuplicaram as suas despesas militares desde a década de 60 e quase triplicaram a sua quota nos gastos militares a nível mundial, indicam MASI & LORIE, (1989:130-138), tendo esses desenvolvimentos afetado a balança de pagamentos, o orçamento governamental e também possivelmente a taxa de crescimento económico. Segundo CASCÃO & BRAGA, (2004:136), “não é (...) de estranhar que o fim da Guerra Fria (...) tenha apenas permitido que se expurgasse do padrão de despesas militares as dinâmicas (e os fluxos financeiros) diretamente relacionados com o conflito latente e ubíquo, preconizado desde os anos 50 pelos dois pólos ideológicos”. E prosseguem: “a atestá-lo basta que se atente na manutenção, ao longo de toda a década de 90, de elevados orçamentos consagrados à militarização política das relações internacionais (em termos globais de despesas pública, nunca abaixo dos 10%, mais do que se afetou no mesmo período, por exemplo, à Saúde ou à Educação)”. Já em 1991, WULF, (1991:1-8), afirmava que o rácio das despesas militares face ao PIB nos países do Terceiro Mundo era, em média, superior a 4% e mais elevado que a maioria dos países europeus ocidentais. Caros colegas do ISEDEF, face a este cenário, parece inevitável interrogarmo-nos se, ao financiar o desenvolvimento, não estarão os atores internacionais a financiar, de forma indirecta, a guerra? COLLIER & DOLLAR, (2001:12-17), afirmam que a ajuda afeta potencialmente o risco de conflito através do aumento do orçamento governamental, na medida em que pode ter duas consequências: 1) permitir que o Governo aumente as suas despesas militares ou 2) funcionar como um atrativo para a captura do Estado pelos rebeldes, o que, por sua vez, aumentará a instabilidade interna do país. Segundo MASI & LORIE, (1989:133), a percentagem de despesas militares dos PED face às despesas militares mundiais era de 7% em 1960, 11,3% em 1970 e 17,4% em 1980. Também COLLIER & HOEFFLER, (2002:4-7) afirmam que a disponibilidade de recursos financeiros do Governo é uma das motivações do aumento das despesas militares. Os autores explicam que as despesas militares são uma componente das despesas governamentais e que o total dos gastos governamentais como percentagem do PIB está a aumentar fortemente com o nível de rendimento per capita. COLLIER & HOEFFLER ,(2002:7-11), defendem também que os países podem canalizar recursos para o setor militare além do seu limite, porque recebem dinheiro dos Governos estrangeiros, designadamente através da ajuda ao desenvolvimento. Só em raros casos o financiamento se destina explicitamente aos fins militares. A ajuda ao desenvolvimento é, assim, um importante recurso financeiro que pode inadvertidamente aumentar as despesas militares, caros colegas. CASCÃO & BRAGA, (2004:136), mostram-se a sua indignação pelo fato de os mesmos países desenvolvidos “que condicionam a ajuda ao desenvolvimento à satisfação de determinadas considerações políticas, sociais e humanas, contribuem eles mesmos para que a instabilidade em Estados, cuja fragilidade das formações sociais territoriais é evidente, seja agravada por uma seleção adversa das prioridades governativas, influenciada, de forma implícita, mas palpável, por esses mesmos países desenvolvidos”, designadamente pela exportação de armas. A título ilustrativo, ARMENGOL et al. (2003:9-12), afirmam que a ajuda humanitária europeia (ECHO) teve como destino 21 países que tinham índices significativos de militarização, pelo que indiretamente essa ajuda poderia perpetuar situações de injustiça e desequilíbrio interno, devido à alocação dos recursos do Governo para as prioridades militares. Além disso, segundo Fezioglu et al (1998), o setor a que a ajuda está associada não influencia a composição setorial das despesas governamentais. Por outras palavras, as despesas militares podem aumentar com o aumento do rendimento, não havendo influência pelo fato de entrar ajuda no país. É por isso que, segundo os autores, os doadores mais sensíveis a acusações desse tipo exercem uma influência coletiva contra o aumento das despesas militares, caros colegas. A luta contra a fungibilidade da ajuda para as despesas militares ultrapassa mesmo as tentativas de assegurar a canalização da APD para os setores normais. Estas questões levaram MASI & LORIE, (1989:130), a fazer um estudo com o objetivo de tentar entender até que ponto as despesas militares são elásticas, sendo que, para o efeito, fizeram uma análise econométrica das despesas militares efetuadas durante a implementação de programas apoiados pelo FMI e das alterações dos gastos militares face aos ajustamentos nas despesas totais, em outros debates serão ilustrados gráficos nesse sentido. Caros colegas, os autores apontam as razões que estão na origem do aumento nas despesas militares desde meados da década de 60, sendo elas o aumento do número de conflitos externos nos PED, a maior necessidade de proteção das elites domésticas dos governantes, a influência do domínio militar no ambiente político, o aumento no custo e manutenção do sistema de armamento e forças armadas, o fato do número de Estados independentes ter triplicado desde a década de 50 e, por último, o declínio da ajuda dos países industrializados para a área militar. MASI & LORIE, (1989:138), explicam ainda que é uma complexa interação entre aspetos políticos, económicos e estratégicos que define o montante que um país opta por gastar no setor militar, sendo que podemos incluir, nessas considerações, fatores como o risco de segurança interna e externa; a natureza do regime político (militar versus civil; repressivo versus liberal); a existência de indústrias locais de armamento; a proliferação de conflitos regionais ou a aliança a uma potência mundial. De resto, caros colegas, o nível de desenvolvimento também pode ser um fator significativo, na medida em que uma maior riqueza per capita exige mais proteção militar. Após uma detalhada análise econométrica, os autores concluíram que as despesas militares nos PED tenderam a ser flexíveis durante os programas de ajustamento do FMI que impuseram um aperto fiscal e uma racionalização dos gastos governamentais, principalmente nos casos em que, na fase prévia à implementação dos programas, os níveis de despesas se encontravam ainda abaixo da média. No entanto, nos países onde os programas de ajustamento foram acompanhados por acomodação fiscal, constatou-se que o setor não militar tendeu a priorizar a afetação adicional de recursos. Além da influência no orçamento, refira-se também a questão da ajuda militar. Segundo WULF, (1991:3-6), apenas os EUA relatavam detalhadamente a sua ajuda militar no início dos anos 90, sendo que, face aos dados disponíveis, pareciam ter o maior programa seguidos da então URSS. O autor afirma ainda que, para outros países como a China, França, Reino Unido e Alemanha, a exportação comercial de armas é mais importante que a ajuda militar. A questão da influência da ajuda no orçamento dos recetores, designadamente em termos do impato sobre as despesas militares dos mesmos, já discutimos quando falamos da guerra civil na Sri Lanka, depois verémos um país africano, como dissemos ao debatermos o caso de Sri Lanka, caros colegas do ISEDEF. Vejamos agora a dependência da ajuda e os condicionalismos dos doadores. O caso da abordagem do Banco Mundial –“Boas políticas mais dinheiro?” Caros colegas, a ajuda é importante. Mas será a dependência da ajuda é prejudicial? ARMIÑO, (1997:133-143), afirma que “(...) a imperiosa necessidade de ajuda e a debilidade das estruturas estatais nos cenários do pós-guerra provoca muitas vezes uma excessiva dependência dos atores internos face aos externos”, que arrasta consigo consequências prejudiciais para o Estado recetor. Em primeiro lugar, provoca uma perda do controlo do processo de reabilitação por parte do Governo nacional, já que “a. ajuda deixa por vezes de ser subsidiária das estruturas e recursos locais para acabar substituindo-os e, inclusivamente, neutralizando-os”. Em segundo lugar, “a dependência corta possibilidades de um desenvolvimento sustentável e centrado nos próprios recursos do país”, além de se tornar financeiramente insustentável a longo prazo para os doadores, o que torna fundamental o reforço das capacidades locais. Em terceiro lugar, os governos estão sujeitos às condições impostas pelos Estados doadores, agências multilaterais e instituições financeiras internacionais que passam normalmente pela implementação de reformas económicas liberalizadoras. Além disso, principalmente a nível da ajuda bilateral, os condicionalismos podem ser marcados por interesses geopolíticos (manutenção de áreas de influência) e económicos (captação de mercados) particulares. ARMIÑO, (1997:45-46), analisa o caso de Moçambique em que a enorme dependência da ajuda externa terá tornado o país extremamente flexível perante as condições exigidas pelos doadores, entre os quais o BM e o FMI, à semelhança do que tinha acontecido com outros países africanos no pós-Guerra Fria ao perderem o poder de negociação e a ajuda do Bloco Soviético. Além disso, o país assistiu a um enfraquecimento da autoridade e capacidade de gestão do Estado, cujas responsabilidades foram assumidas por doadores, consultores e ONGs. Não significa isso que a ajuda é apenas prejudicial, caros colegas. ARMIÑO, (1997:46), reconhece que (no caso de Moçambique) “uma retirada da ajuda internacional precipitaria hoje um colapso da economia e do próprio Estado”, pois “as duras medidas de ajustamento económico aplicadas só têm possibilidade de oferecer resultados com a manutenção de elevados níveis de ajuda”. A retirada da ajuda pode ter consequências dramáticas para o país dela dependente. Essa situação é ainda mais preocupante quando nos apercebemos que os doadores reagem a determinado tipo de contexto, como já verificámos. Num quadro de instabilidade, uma das preocupações dos doadores é a questão da legitimidade e capacidade administrativa do Estado recetor para determinar as prioridades políticas e distribuir os recursos internos e da ajuda, agravada pelas acusações de corrupção e ineficácia contra os Estados africanos, afirma ARMIÑO, (1997:134-136). A falta de confiança nos atores locais fez com que se recorresse às ONGs como “veículos de reabilitação e como intermediárias entre os doadores e recetores, que têm como desvantagem o fato de constituírem “redes paralelas à do Estado, por vezes alheias às políticas e planos deste, para a prestação de serviços básicos (principalmente no domínio da saúde e educação) que deveriam ser garantidos (...) pelas instituições públicas a fim de alcançar toda a população.” ARMIÑO, (1997:136), explica ainda que, segundo alguns autores, “o crescente papel das ONG como fornecedoras de ajuda internacional faz parte do processo, em andamento em quase todo o mundo, de privatização da ajuda pública”. Porém, este método não oferece garantias de que a prestação de serviços básicos chegue a todos os habitantes, a todos os locais e com igual regularidade. Numa reflexão sobre o impato e a condicionalidade da ajuda internacional, parece-nos imperativa a referência ao relatório do BM de 1998, intitulado “Assessing Aid: what works, what doesn’t and why?”, que promoveu uma nova abordagem e que gerou uma onda de controvérsia sobre estas questões. Centrando-se na questão da pobreza, o WORLD BANK, (1998:3-13), sustenta que a ajuda financeira funciona num bom ambiente político, em complemento com o investimento privado e que, para combater a pobreza, são fundamentais a melhoria das instituições económicas e políticas e o bom funcionamento dos serviços públicos, impulsionados por uma sociedade civil ativa. Caros colegas, considera-se também que a ajuda pode fomentar a reforma mesmo nos ambientes mais debilitados, caros colegas, o que requer paciência e ideias (e não apenas dinheiro). Para tal, são necessários muitos recursos humanos e pequenos desbloqueamentos de fundos. Face a este conjunto de premissas, o WORLD BANK ,(1998:4-5), propõe uma nova abordagem composta por cinco grandes reformas: 1. os países com melhor ambiente político devem receber mais ajuda do que os países com uma má governação; 2. a ajuda deve ser mais modesta nos países com políticas fracas e sem reformas credíveis; 3. as atividades financiadas pela ajuda devem adaptar-se ao país e às condições do setor, devendo ser verificada a adequada alocação e qualidade dos recursos; 4. os projetos devem proporcionar conhecimento e capacidade; 5. devem ser procuradas abordagens alternativas para os países mais conturbados politicamente, sendo mais importantes as ideias do que o financiamento em larga escala. Já em 2004, constatando que, em diferentes tempos e em diversos lugares, a ajuda externa foi eficaz, totalmente ineficaz ou média, o BANCO MUNDIAL, (2004:1-12) apontou três razões para se rever a ajuda externa: 1. mudanças na economia global e no ambiente político, designadamente com o fim da Guerra Fria e com a emergência de fluxos de capital privado que afetaram o ambiente da ajuda; 2. mudanças na estratégia de desenvolvimento que requerem uma nova abordagem da ajuda mais tática face à agenda envolvente; 3. a evidência do que na ajuda é eficaz e ineficaz. RANAWEERA, (2004:637-668), explica que a principal mensagem passada pelo WORLD BANK, (1998) é que a ajuda contribui para o crescimento dos países com má gestão económica, pelo que a sua alocação deve ser feita em consonância com o ambiente político dos países recetores, uma nova abordagem que tem vindo a ser muito criticada, designadamente por autores como DALGAARD & HANSEN (2001), GUILLAUMONT & CHAUVET (2001), HOEVEN, (2001), entre outros. Também MCGILLIVRAY & MORRISSEY, (2000:413) reagiram ao relatório do WORLD BANK, (1998), focando a questão da fungibilidade da ajuda, ou seja, o fato de a ajuda ser (ou não) totalmente alocada aos objetivos a que os doadores se propuseram, e o impato da ajuda no nível e na composição das despesas governamentais. Os autores argumentam que a fungibilidade não é tão importante e que desvia a atenção dos doadores daquilo que efetivamente deveriam fazer para assegurar que a ajuda seja alocada nas áreas que os doadores querem apoiar, nomeadamente a análise do impato da ajuda no comportamento geral do setor público e na gestão fiscal. MCGILLIVRAY & MORRISSEY, (2000:425-426), explicam que a perspetiva mais extremista da fungibilidade e, de forma geral, da condicionalidade, considera que os doadores não podem influenciar o comportamento dos recetores, pelo que, se aqueles querem que a sua ajuda seja eficaz, devem priorizar a ajuda a países que já estão a desenvolver atividades que eles aprovaram, caros colegas. Os autores consideram que esta perspetiva não é aceitável, na medida em que os doadores nem sempre sabem (ou concordam entre si sobre) o que é mais adequado e porque há populações que necessitam sempre de ajuda, independentemente dos doadores desaprovarem os governos desses países. MCGILLIVRAY & MORRISSEY, (2000:414-415), acrescentam ainda que a condicionalidade não funciona, na medida em que os doadores não conseguem convencer os governos recetores da ajuda a implementar políticas que eles não querem ou não conseguem implementar, devido a fraquezas políticas ou institucionais. Caros colegas, analisando o caso específico da desilusão provocada pela ajuda dada a África na década de 90, marcada pelos programas de ajustamento estrutural do FMI e do BM, MUGERWA, (1998:219-220-245), afirma que alguns autores culpabilizam os governos africanos pela sua falta de compromisso político, enquanto outros reconhecem cada vez mais que os múltiplos condicionalismos impostos aos países recetores são parte do problema. Neste contexto, MUGERWA, (1998:220-254), compara dois documentos de referência. O primeiro é o White Paper intitulado “Eliminating World Poverty” publicado em 1997 pelo Departamento Britânico de Desenvolvimento Internacional. Trata-se de um documento político que lançou fortes críticas ao Governo anterior por ter utilizado os fundos para o desenvolvimento na sua persecução de objetivos comerciais de curto prazo. O segundo documento é um Relatório de um Grupo de Trabalho do Ministério dos Negócios Estrangeiros sueco de 1997 designado “Partnership with Africa” que teve objetivos semelhantes ao White Paper, embora tenha coberto apenas uma região específica: África. Inclui um conjunto de propostas para a atuação dos doadores,”( MCGILLIVRAY & MORRISSEY, 2000:413). Segundo MUGERWA, (1998:.220-254), esses programas provocaram em muitos casos o aumento da dívida externa, mas também nalguns casos a subida em flecha das taxas de crescimento. MUGERWA, (1998:223), alerta para a importância de se estabelecerem regras e obrigações dos parceiros, imperando as palavras “responsabilidade política” e “interesse mútuo”. O autor explica que o White Paper deixa claro que compete ao país recetor decidir, em última instância, quais as necessidades do seu país. Caros colegas, as propostas suecas, por sua vez, defendem a necessidade de existência de um conjunto mínimo de valores partilhados, que incluam a igualdade de género, a liberdade de expressão, o pluralismo, entre outros. O autor lembra, no entanto, que os valores de democracia ocidental não são partilhados por todos os países africanos. A condicionalidade da ajuda pode ainda ser vista noutra perspetiva, ou seja, nas condições impostas pelos países recetores. FREY, (1984: 88-89), explica que os países recetores podem influenciar a quantidade de ajuda que lhes é dada pelos países interessados em apoiá-los. O autor explica que é provável que um país receba pouca ajuda quando apoia sempre politicamente ou quando nunca apoia o país doador. Assim, um país receberá mais ajuda quando mostrar ao doador que a sua posição política dependerá da quantidade de ajuda recebida. Face a isso, FREY, (1984 ) indica, por exemplo, que os países que queiram receber mais ajuda não deverão ser membros de um bloco internacional. Quais são os objetivos dos doadores, caros colegas? Caros colegas, não é de surpreender que o rompimento das hostilidades, a deslocação de massas populacionais ou a limpeza étnica, sejam alvo da atenção internacional, que procura colmatar as necessidades da guerra, assistir as vítimas e restaurar a segurança e os serviços económicos e sociais, sustenta MUSCAT, (2002:9-16). Aliás, MUSCAT, (2002:103-104-107), indica que há um consenso implícito e uma justificação explícita dada aos legisladores durante o processo de aprovação do orçamento anual dos países doadores, segundo o qual o desenvolvimento é, de forma geral, um processo positivo, quer para os doadores, quer para os recetores da ajuda, isto porque ele traz benefícios económicos de longo prazo e melhora a qualidade de vida das populações, permite o desenvolvimento da democracia e faz diminuir as motivações dos rebeldes e dos governos para o estabelecimento da violência. Além do espírito altruísta, quais poderão ser os objetivos mais ocultos dos doadores quando decidem ajudar determinado país em situação de guerra civil? CASSEN, (1986:7-18), distingue objetivos da ajuda e objetivos dos doadores no que concerne a eficácia da ajuda, na medida em que esta não se prende com eventuais objetivos dos doadores ou dos recetores, mas sim com a “eficácia do desenvolvimento”. Este aspeto poderá ser importante no que concerne ao comportamento dos países doadores, quer a nível do que pretendem da ajuda, quer a nível da forma como ajudam, caroscolegas. CHAUVET, (2002:33-37), por seu turno, explica que a literatura sobre a afetação da ajuda internacional se centra em dois grandes debates. O primeiro analisa a resposta e as motivações dos doadores à performance económica e institucional dos recetores em oposição à compensação da vulnerabilidade face aos choques externos. A ajuda deve dar incentivos às boas políticas económicas, segundo autores como CLINE & SARGEN, (1975). Todavia, também tem que ponderar o “mau ambiente económico”, designadamente os choques externos que afectam os países recetores. Assim, CHAUVET, (2002:38-45), afirma que “a ajuda pode ter o papel de seguradora para os países recetores”. O segundo debate contrapõe o modelo das necessidades dos recetores ao modelo dos interesses dos doadores. Segundo a autora, alguns estudos mostraram a importância dos interesses estratégicos dos doadores para a alocação da sua ajuda externa, embora a importância relativa destas duas categorias de motivação tenha sido inconclusiva. Em 1984, MAIZELS & NISSANKE, (1984), concluíram que, na década de 70, a afetação da ajuda bilateral era ditada pelos interesses estratégicos e comerciais dos doadores, enquanto a ajuda multilateral era baseada mais nas necessidades dos países recetores. É o caso do BM, acusado por autores como CLINE & SARGEN, (1975), de determinar os empréstimos de acordo com um modelo político-económico. Também FREY, (1984:86-87) afirmou, na década de 80, que “os países doadores agem por motivos egoístas, esperando tirar benefícios económicos e/ou políticos dessa ação”. Quanto aos possíveis benefícios económicos, o autor enumera os seguintes: 1. estímulo a exportações adicionais do país doador; 2. possibilidade de escoamento de excessos de produção, principalmente de produtos agrícolas; 3. possibilidade de aumento da produção de matéria-prima que o doador quer importar a baixo custo; 4. melhoria do clima para o Investimento Direto Estrangeiro (IDE) no país receptor. A nível político, os doadores poderão obter as seguintes vantagens: 1. aumento da influência em decisões políticas e culturais relevantes para o doador; 2. fortalecimento da posição do Governo ou do regime no poder, com o qual o doador mantém amistosas relações; 3. melhoria da segurança militar do doador ao conquistar um aliado e 4. aumento do prestígio internacional pela projeção de imagem de país humanitário. No entanto, FREY, (1984: 96-109), explica que o que importa para o recetor não é tanto a contribuição do país doador A ou B, mas sim o montante total de ajuda recebida, independentemente de quem a deu. Assim, o autor admite que, se a ajuda é uma forma de influenciar o país recetor, também é verdade que essa pode ser uma utilidade perdida se outros países estenderem essa ajuda. UVIN, (2001:3-8), por seu turno, afirma que os doadores politizam a ajuda humanitária quando decidem ajudar por razões políticas e não por necessidade. Em nome da “emergência”, ultrapassam governos e expressam mesmo o seu descontentamento a alguns deles. O autor sublinha que esta atitude é perigosa, pois “um continuado uso político da decisão de usar a ajuda humanitária pode impedir o acesso humanitário no futuro”. Também Jan Egeland em entrevista à REUTERS FOUNDATION, (2004:1-3) defende que a ajuda deveria ser dada em função das necessidades e não do que é politicamente atrativo ou popular para os media. Explica que um doador responsável não deveria atuar de acordo uma agenda para a popularidade. Porém, a verdade é que alguns países atraem mais atenção do que outros, como foi o caso do Iraque, do Afeganistão, do Kosovo e da Bósnia. Já no Haiti, exemplifica o autor, foi evidente a falta de interesse político e de investimento quando os apelos (da ONU) foram lançados. A mesma posição é firmada num relatório da organização ACTIONAID, (2004), segundo a qual a independência da ajuda está em perigo, na medida em que os programas de desenvolvimento estão a ser subordinados à política externa. Centrando estas questões no contexto atual da campanha anti-terrorista liderada pelos EUA e pela Grã-Bretanha e perfeitamente integrada na esfera política, o relatório da ACTIONAID, (2004), afirma que “subitamente, o mais importante fator dos recetores da ajuda não era o seu nível de necessidade, mas a sua importância e utilidade na guerra do terror”. BLANCHET, (2003), por sua vez, acusa a Agência de Cooperação Norte- Americana – USAID – de exigir que as organizações humanitárias adiram plenamente aos seus princípios políticos na luta contra o terrorismo, sob pena de lhes ser recusado o acesso aos fundos de financiamento da ajuda humanitária. O autor afirma também que a campanha anti-terrorista decide quais os países beneficiários da ajuda com base no critério de países “amigos” e “inimigos”, e como tomam as decisões políticas” sendo as situações de urgência previamente seleccionadas e posteriormente mediatizadas. BLANCHET, (2003), critica a cooperação americana por ir ainda mais longe ao condicionar a ajuda aos critérios políticos do Departamento de Estado e limitar os financiamentos a projetos com o objetivo imediato de combater o terrorismo ou outras forças políticas violentas. O autor conclui que a ação humanitária apenas pode estar ao serviço de uma única ideologia - a neutralidade – e que a fronteira entre o político e o humanitário deve ser clara e distinta. Assim, “ as ações humanitárias e políticas podem ser complementares. Mas as duas não se regem pelos mesmos princípios, nem pelos mesmos interesses”. Caros colegas, independentemente dos doadores se regerem por objetivos mais humanitários ou mais geopolíticos, sublinhamos que, de fato, é fundamental que a ajuda humanitária (e a APD em geral, se possível) seja neutra pelos princípios por que se rege e pelo tipo de atividade que realiza, designadamente a distribuição de necessidades de primeira instância. Caros colegas, este princípio será mais difícil de alcançar no caso da APD em geral, na medida em que esta abrange todo um conjunto de ações que influenciam a economia de guerra, nomeadamente a capacidade do governo para financiar determinado tipo de bens ou setores. No que concerne à forma como os doadores concretizam a ajuda, GOODHAND & ATKINSON, (2001:31-38), consideram que estes continuam a dar mais ênfase ao “fazer” do que ao “entender”. Frequentemente, as pressões de tempo e os sistemas de incentivos internos não encorajam uma análise adequada, e os doadores tendem a efetuar o seu próprio levantamento de necessidades, isolado da análise dos outros doadores, e em termos da sua própria capacidade de resposta. Os doadores têm que mudar esta postura. GOODHAND e ATKISON (2001:40-46) defendem que cada contexto tem que ser analisado de acordo com as suas características e que os doadores têm que pensar na essência de cada conflito. Além disso, defendem os dois autores, “há necessidade de os doadores serem mais transparentes na forma como medem os seus diversos objetivos. Os incentivos para a paz e os desincentivos para a guerra, como funciona isso? Em 1997, o DAC / OCDE- Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico adoptou um conjunto de guidelines sobre Conflito, Paz e Cooperação para o Desenvolvimento no início do Século XXI que se tratou da mais clara e autoritária declaração sobre o novo mandato da ajuda, segundo UVIN, (2001:I3-17). Essa declaração, por seu turno, motivou a realização de dois workshops em 1999 sobre os incentivos à paz e desincentivos à guerra pela cooperação para o desenvolvimento, cujos resultados foram apresentados por UVIN, (2001) e durante os quais foram analisados quatro estudos de caso: Sri Lanka, Afeganistão, Bósnia e Herzegovina e Ruanda. O estudo examina se e como os doadores usaram a APD nos casos referidos, durante e após o conflito violento, para criar incentivos e desincentivos de forma a reduzir o conflito violento e a construir uma paz duradoura. UVIN, (2001:7-12), explica que os incentivos para a paz são todas as ações ou propósitos da ajuda que fortalecem a dinâmica da paz, enquanto os desincentivos enfraquecem e desencorajam a dinâmica que favorece a violência. Caros colegas, estes podem ocorrer de forma condicional ou incondicional, ou seja, com ou sem exigências recíprocas, e com ou sem uma resposta imediata esperada. O exemplo de um incentivo para paz não condicional é a formação da polícia e setores judiciais para assegurar o respeito pelos DH, e condicional é o apoio financeiro ou perdão da dívida mediante o cumprimento de objetivos políticos acordados. O exemplo de um desincentivo não condicional é o envio de observadores dos DH, a distribuição de material de apoio e o trabalho em rede com as organizações de direitos humanos locais. Um desincentivo condicional é, por exemplo, a ameaça ou o corte de efetivos da APD quando o governo não melhora o respeito pelos DH. Segundo UVIN, (2001:9-10), caros colegas, os incentivos para a paz podem ocorrer de várias formas. Em primeiro lugar, pode influenciar-se o comportamento dos atores, aumentando, por exemplo, a quantidade de APD para que os governos concluam as negociações para a paz. Caros colegas, podem também modificar-se as capacidades dos atores, fortalecendo os actores pró-paz (por exemplo, financiar ONGs de DH) e enfraquecendo aqueles que beneficiam das condições do conflito violento (por exemplo, limitar o fluxo de armas na região ou reduzir as despesas militares). Podem-se alterar as relações entre os atores do conflito - grupos étnicos, Estado e sociedade civil -, criando oportunidades para a reconciliação, promovendo a democracia, apoiando a reintegração. Caros colegas, em último, pode influenciar-se o ambiente social e económico onde se desenrola a dinâmica da paz e da guerra, através do perdão da dívida, da reconstrução de infra-estruturas sociais e económicas, do apoio a eleições livres e democráticas, etc. UVIN, (2001:10-16), alerta para o fato de todas estas áreas e ações referidas serem eminentemente políticas e questiona-se sobre a existência de um mandato ético, moral e legal para os doadores se envolverem nestes assuntos. O autor afirma que “a paz não pode ser importada, ela é feita pelas populações envolvidas”. Quanto ao papel da ajuda, a mesma deve apoiar todo esse processo, mas antes é fundamental que desenvolva um mandato ético claro e que estabeleça ligações fortes com a sociedade. Também TOMMASOLI, (2003:8-10), faz referência a esse estudo ao questionar se sobre o interesse da vulnerabilidade de um contexto de guerra para a política e para os doadores. O autor afirma que os estudos de caso (Sri Lanka, Afeganistão, Bósnia e Herzegovina e Ruanda) mostraram que a ajuda, em qualquer altura, cria incentivos para a guerra e para a paz, independentemente desses efeitos serem reconhecidos ou não no contexto de guerra. Portanto, caros colegas, a questão não é se devemos ou não criar incentivos, mas sim como geri-los de forma a promover as condições e dinâmicas propícias à resolução não violenta do conflito. Para isso, TOMMASOLLI, (2003:10), sublinha que os coordenadores da ajuda têm que se mentalizar da sua natureza política. A ajuda externa só por si tem capacidades limitadas para determinar a dinâmica do conflito violento, pois é, normalmente, fraca face às pressões dos atores internacionais, nacionais, regionais e locais, públicos e privados. A APD depende muito do ambiente e das relações entre os países e a comunidade internacional. A abordagem Do No Harm (não prejudicar) Apontando os fatores influentes na guerra, AGERBACK (1996:28) refere a influência de estruturas e processos internacionais, entre os quais uma ajuda inadequada. No entanto, é certo que a ajuda não pode prejudicar o conflito. A abordagem do no harm (não prejudicar) é defendida por vários autores que reflectem sobre as questões da ajuda e do conflito e enquadra-se na política de cooperação defendida pela OCDE. O trabalho seminal desta abordagem foi de Mary B. Anderson no âmbito do projecto de “Capacidades Locais para o Projecto da Paz”, que, em estreita colaboração com as ONGs, visou explorar a relação entre conflitos locais e a respetiva entrega de ajuda humanitária ou ao desenvolvimento, como explica SHANNON, (2003:36-37). ANDERSON, (1999:1-5), afirma que a ajuda pode não ser neutra num contexto de guerra, podendo “reforçar, exacerbar e prolongar o conflito”. A autora diz ainda que a ajuda “pode também reduzir ou fortalecer as capacidades das populações para cessar o conflito e encontrar soluções pacíficas para a resolução de problemas”. Além disso, “frequentemente, um programa de ajuda pode ter dois efeitos: agravar o conflito ou apoiar o fim do conflito. Em ambos os casos, a ajuda prestada durante o conflito não pode ser separada do mesmo”. Mas em que consiste a abordagem do Do no harm? JACKSON, (2001:11), identifica-a como uma “cultura de prevenção”, que prevê que a ajuda seja mais proativa na prevenção do conflito. Apesar do objetivo da assistência internacional ser fazer o bem, a verdade é que a evidência mostra que tem sido feito algum “mal”, afirma JACKSON, (2001), na medida em que a ajuda agravou os fatores políticos, sociais e económicos que produziram o conflito. Sublinhese, no entanto, que “a ajuda por si só não cria o conflito, mas pode exacerbar as divisões na sociedade e levá-las à violência aberta de três formas: política, económica e sociocultural” . caros colegas, face a isto, e segundo o autor, “as boas intenções da ajuda internacional não são suficientes para assegurar que esta não seja prejudicial” . Não significa isso que a ajuda deva acabar, a sua prática é que deve ser repensada. Parece-nos indiscutível, caros colegas, que os cenários de guerra civil são ambientes com algum grau de complexidade política e social que não podem ser abordados de forma simplista. Será também esta a ideia que JACKSON, (2001:3-9), pretende passar ao sustentar que não deve ser feita uma distinção tão rígida entre os diferentes tipos de ajuda – desenvolvimento, reabilitação e auxílio – e que essa rigidez é justamente uma das fontes do impato negativo da ajuda. Qual o método a aplicar para realizar uma boa ajuda? De acordo com a abordagem do no harm, há cinco passos essenciais: 1º) Identificar as principais divisões e fontes de tensão; 2º) Identificar os fatores de coesão; 3º) Chegar a um entendimento sobre um programa de ajuda; 4º) Identificar os mecanismos exatos, através dos quais a ajuda pode ter um impato positivo ou negativo; 5º) Identificar opções que reforcem os bons resultados e reduzam os maus. Assegurados estes passos, caros colegas, a abordagem sustenta que está aberto o caminho para uma posição mais saudável da ajuda face ao conflito. Também MUSCAT, (2002:124-153), defende este tipo de abordagem e admite o seu optimismo na crença de que muitos, mas não todos, dos atuais conflitos podem ser mitigados, que o processo de desenvolvimento pode ser deliberadamente gerido e modelado para prevenir que diferentes interesses materiais degenerem em conflito violento, e que as agências de desenvolvimento internacionais podem ser importantes atores no processo, (…)! Para isso, caros colegas, “eles deviam fazer juramento hipocrático: não prejudicar. Evitar apoiar políticas e projetos que exacerbem os conflitos em sociedades profundamente divididas”. Como é que esse juramento pode ser cumprido? MUSCAT, (2002:124) prossegue: “Talvez uma atenção deliberada para com o passado e com os potenciais efeitos sobre o conflito, possa ajudá-los a entender que a ajuda dada pode ter apenas sido latente até então. Mesmo quando os antagonismos foram agravados por motivos simbólicos ou étnicos (tipo de vestuário, feriados nacionais, comportamentos sexuais, religião oficial, etc.), que fogem à competência das agências de desenvolvimento, caros colegas, os incentivos materiais e os resultados – que se enquadram no âmbito das agências – podem provocar um desequilíbrio geral. O dinheiro e os benefícios materiais podem ser fungíveis com os fatores não económicos”. Também TRUGER reconhece que, em algumas situações, a ajuda pode ter um efeito oposto àquele que é pretendido. Para evitar que a ajuda prejudique, o autor afirma que os atores internacionais devem procurar informação sobre as causas do conflito, o seu desenvolvimento e o envolvimento de atores internos e externos. Além disso, caros colegas, devem interrogar-se sobre a forma como a intervenção pode alcançar os objetivos de paz e restabelecer a segurança, sobre o impato que o conflito terá na intervenção e da intervenção na dinâmica do conflito e, por fim, sobre as várias opções alternativas no processo de tomada de decisão. A abordagem do no harm gerou também algumas críticas, resumidas por SHANNON, (2003:37). É o caso de TERLINDEN, (2002), que afirma que esse debate não trouxe implicações práticas, uma vez que as ONGDs não alteraram os seus mandatos, nem reviram os seus objetivos centrais, já que isso implicaria alargar o respetivo leque de atividades de prevenção da violência a também alterar a perceção que os projetos têm do conflito violento. LEONHARDT, (2002), por sua vez, afirma que a abordagem fracassou, pois não desenvolveu uma perspetiva política abrangente, que tentasse utilizar a ajuda para promover objetivos económicos, culturais, militares e de política externa pelos vários atores, quer nos países doadores, quer nos países recetores. TERLINDEN E LEONHARDT,(2002), estiveram envolvidos na “Avaliação da Paz e do Impato do Conflito (PCIA), que se trata de um documento que visou definir uma metodologia para avaliar o impato do trabalho de uma agência no conflito. Segundo SHANNON, (2003:36-38) , o PCIA identifica-se bastante com a abordagem Do no harm. Ainda assim, o PCIA deverá ser mais abrangente, já que “une os objetivos dos movimentos de DH com os do desenvolvimento”. Vejamos agora a nossa Síntese e conclusões do nosso debate, caros colegas Para as questões de partida deste debate, que trata em: quem, quando, como e porque se ajuda, procurámos pistas ou respostas analisando algumas das principais argumentações sobre a relação ajuda versus guerra civil. Caros colegas, a nível dos destinatários da ajuda, vimos que há uma certa tendência para priorizar países com rendimento médio em detrimento dos mais pobres e em situações mais difíceis, (…)! A esse propósito, resumimos um estudo de CHAUVET, (2002), que conclui que a alocação da ajuda internacional depende do tipo de instabilidade sociopolítica do país destinatário (social, violenta ou de elite), das características dos países recetores (rendimento médio ou baixo, produtores ou não produtores de petróleo) e ainda do tipo de doador (multilateral ou bilateral). A instabilidade violenta (guerra civil) tende a atrair mais ajuda de doadores bilaterais altruístas ou com interesses estratégicos, principalmente nos países de rendimento médio, enquanto que afasta a ajuda nos países de baixos rendimentos. Neste contexto, referimos a acuidade da Iniciativa LICUS do BM, cujos programas se dirigem aos países mais pobres. Quanto ao timing, vimos que os doadores tendem a ajudar quando o país já está em guerra civil, apesar de autores como MUSCAT, (2002:26-27), afirmarem que a ajuda deveria incidir nos anos anteriores ao eclodir do conflito quando a retórica política ainda não está deteriorada. A agravar a questão está a insistência dos doadores em financiar projetos a termo certo, na fase em que o conflito é mediático e de forma burocraticamente inadequada às necessidades locais. A resposta à questão “como se ajuda” motivou a divisão da reflexão em dois sub--pontos: a ajuda humanitária de emergência e o financiamento do desenvolvimento. Sobre o primeiro, aquilo que se pretendeu foi lançar pistas sobre atuações cujo impato pode ser prejudicial para os beneficiários e referir algumas posições. Por exemplo, MUSCAT, (2002), defende que as agências devem participar no combate às causas dos conflitos; por seu turno AGERBACK, (1996), teme mesmo que a ajuda agrave os problemas subjacentes e as causas do conflito; enquanto que o ACNUR, (2000), afirma mesmo que, no que respeita a ajuda aos refugiados, ela pode alimentar e prolongar o conflito. Enumerámos, assim, um conjunto de críticas à ajuda humanitária e respetiva explicação sobre como esta pode contribuir para o prolongamento do conflito caros colegas, (…)! Esse assunto motivou a diferenciação das abordagens maximalistas e minimalistas sobre a ajuda humanitária, que defendem, no primeiro no primeiro caso, um tipo de intervenção humanitária mais abrangente, e, no segundo caso, uma mais restritiva e onde a ajuda é limitada aos seus objetivos primários. Quanto ao financiamento do desenvolvimento, referimos o Modelo de Dois Gaps desenvolvido na década de 60 por Chenery que defende que o financiamento externo pode preencher dois gaps das economias em desenvolvimento – o reforço da poupança interna e o equilíbrio da balança comercial. Esse financiamento pode ser feito, quer através de empréstimos, quer através da ajuda. A propósito desta questão, introduzimos uma comparação de RANAWEERA, (2004), sobre dois modelos analíticos que determinam as necessidades de cada país em termos de ajuda internacional: o Modelo de Harrod-Domar de 1998 utilizado pelo BM e o Modelo de Thirlwall e Hussain ,(1982). Evidenciámos a influência da ajuda no orçamento estatal dos países recetores, na medida em que, ao canalizar verbas para setores-chave como a saúde pública e a educação, os doadores dão, ainda que inconscientemente, margem de manobra aos governos para aumentar as despesas militares (que aumentaram bastante na segunda metade do século XX) e, assim, perpetuar a guerra em vez da paz, caros colegas. Para o efeito, referimos o estudo de MASI & LORIE, (1989), que concluem que as despesas militares são flexíveis às exigências e aos apertos fiscais impostos pelo FMI, sendo o orçamento militar dos governos definido pela interação de aspetos políticos e económicos. Destaque-se a questão da existência de indústrias locais de armamento e da aliança a uma potência mundial. Em seguida, caroscolegas, verificámos que a dependência da ajuda pode trazer algumas rasteiras, como, por exemplo, o fato de provocar várias consequências prejudiciais para o Estado recetor, designadamente a perda do controlo do processo de reabilitação pelo Governo; a impossibilidade de um desenvolvimento sustentável e centrado nos recursos nacionais ou ainda a imposição de condições demasiado rígidas pelos doadores (o caso das reformas liberais). A este propósito, referimos o relatório do WORLD BANK, (1998), marcado por um novo tipo de abordagem que defende que a afetação da ajuda deve ser feita em conssonância com o ambiente político dos países recetores. Vimos também a onda de reações a esta posição, que suscitou o debate sobre a fungibilidade da ajuda, entre outras questões. Sobre esse assunto, caros colegas, salientámos ainda a importância da responsabilidade política dos Governos recetores da ajuda e do interesse mútuo entre partes, ideias refletidas em dois documentos de referência: o White Paper britânico e a proposta sueca Partnership with Africa. Vimos também, como a condicionalidade da ajuda pode ter o efeito oposto quando os países recetores jogam com os interesses político-económicos dos doadores, condicionando as posições e parcerias políticas ao volume de ajuda recebida. No entanto, caros colegas, as maiores falhas da ajuda internacional podem eventualmente resultar dos objetivos dos doadores que, apesar de estarem atentos a questões como a violação dos DH e outras atrocidades cometidas no palco de guerra, poderão esconder objetivos geopolíticos/geoestratégicos e económicos. Motivos esses que levaram os EUA e outras grandes potências a financiar uma das partes beligerantes no conflito. O menor êxito da ajuda em certos casos pode também ser explicado pela análise errada ou precipitada dos problemas pelos doadores ou por fatores de cariz organizacional e burocrático, caros colegas, (…)! Parece-nos evidente que a maioria dos PED com cenários de guerra civil é extremamente dependente da ajuda internacional, na medida em que esta proporciona às populações serviços básicos que o Estado não tem, em dada altura, capacidade de providenciar. Além disso, a falta de credibilidade dos governos, tidos como corruptos, leva os doadores e as agências de ajuda a agir por si e a confiar menos nas capacidades locais. Abordámos ainda um estudo sobre os incentivos e desincentivos para a paz que visa entender como os doadores usaram a APD durante e após o conflito para criar esse tipo de (des)incentivos e, assim, reduzir o conflito, caros colegas, (…)!. Uma das principais conclusões indicadas por UVIN, (2001:10-14), prende-se com o fato de todos esses tipos de intervenção serem de natureza fundamentalmente política, pelo que é crucial a existência de um mandato ético, moral e legal dos doadores de forma a fazer a adequada gestão desses (des)incentivos no quadro das (boas) relações entre os países em conflito e a comunidade internacional. Caros colegas, consideramos predominante a abordagem “do no harm” (não prejudicar) que salienta que a ajuda pode prejudicar o conflito, pelo que é imperativo que esta seja mais proativa na prevenção da guerra. Os defensores da abordagem explicam ainda a importância de se perceber o contexto histórico da rebelião, as características culturais e religiosas do país recetor da ajuda por entre um conjunto de fatores que não pode ser ignorado pelas agências de ajuda no terreno e pelos doadores internacionais. TOMASOLLI, (2003), afirma que, uma vez que toda a ajuda cria incentivos para a paz e para a guerra, a questão que se deve debater é como gerir esses incentivos para tentar condições para a pacificação, (…)! Caros colegas do ISEDEF, Académicos e Similares, esta reflexão poderá servir de um incentivo para as fututas pesquiss, e trazer novos resultados que se traduzem “em não a guerra, em sim a paz”, como paradigmas multidisciplinares. Todas questões pertinentes podem servir de incentivo para um debate, por isso deixo abaixo os meus endereços: Email: dr.anly1962@gmail.com Site: www.dr-anly.blogspot.com “CLUBE DE OPINIAO CIENTIFICA” Contato:827138340 Major de INF Silva Anli (psicodesenvolvimentista)

terça-feira, 15 de novembro de 2016

REFLEXAO SOBRE A GUERRA CIVIL NO SRI LANKA, EM “LIVRE DOCÊNCIA” DO MAJOR DE INF SILVA ANLI, NO ISEDEF, 2016. Caros colegas do ISEDEF, Académicos e Similares, ao estudarmos a “guerra civil no Sri nnLanka” queremos nos propor uma pesquisa que nos permita perceber as motivações das guerras civis, embora este caso não seja de África, pois é da Ásia, mas nos estudos seguintes procuraremos trazer um “estudo do caso africano”. Caros colegas, os estudos sobre as guerras civis são úteis, porque nos permite procurar um entendimento universal das suas motivações, e isso ajuda-nos a potenciar o nosso reportório de conhecimento aqui no ISEDEF. Caros colegas, começamos por fazer uma breve caraterização do país e uma resenha histórica do mesmo, com o objetivo de enquadrar o conflito no respetivo contexto de decorrencia da guerra civil. Para melhor detalhe iremos abordar algumas especificidades da guerra civil, que nos ajudarão a compreender o contexto da guerra, designadamente o tipo de estratégia/geoestratégia utilizada pelo Governo e pelos rebeldes de “Liberation Tigers of Tamil Eelam” (LTTE), as possíveis causas da guerra e a influência exercida por outros fatores exógenos ou mesmo endógenos, como a diáspora e as grandes potências mundiais e demais atores substantivos, (…)! Ainda assim, caros colegas, descreveremos depois a intervenção da ajuda internacional durante a guerra e debateremos a sua possível influência sobre o desenrolar do conflito em si mesmo no terreno. Para o efeito, fazemos uma caraterização geral da ajuda, traçamos as suas principais estratégias e revemos algumas posições sobre a influência da ajuda em geral em certas ONGs, caros colegas. Uma breve caracterização do país, caros colegas A República Socialista Democrática do Sri Lanka situa-se numa das ilhas do Oceano Índico, na Ásia, a sul da Índia. Tem uma área total de 65.610 Km2, sendo 64.740 Km2 de terra e 870 Km2 de mar, com uma faixa costeira de 1.340 Km. É um país essencialmente plano, embora tenha montanhas na parte centro-sul do interior. O ponto mais alto é Pidurutalagala com 2.524m. Veja esta caraterização do Sri Lanka na fonte The world factbook no site: www.cia.gov/cia/publications/factbook/geos/ce.html. Representação topográfica do Sri Lanka Os principais recursos naturais são a pedra calcária, grafite, minerais, pedras preciosas, argila e energia hidráulica. Relativamente ao uso da terra, 13,43% é arável, 15.78% são produções permanentes e 70.79% tem outro tipo de uso. A capital é Colombo. No entanto, a capital legislativa é Sri Jayewardenepura. Em termos administrativos, o país está dividido em oito províncias: Central, Centro- Norte, Sabaragamuwa, Sul, Uva, Ocidental, Norte e Leste. No Sri Lanka, existem vários grupos étnicos que se dividem em budistas cingaleses (74%), hindu Tamil (18%), Moor (7%) e Burgher, Malay e Vedda (1%). Tem um total de 19.742.439 habitantes, segundo o recenseamento de 2003. Porém, desde o rompimento das hostilidades, muitos civis Tamil abandonaram a Ilha, sendo que, em 2000, cerca de 65.000 foram realojados em campos de refugiados no sul da Índia, 40.000 passaram a viver noutros campos fora da Índia e mais de 200.000 procuraram abrigo em diversas regiões do Mundo, com particular destaque nas zonas ocidentais. O Sri Lanka alcançou a independência a 4 de Fevereiro de 1948. É uma República, cujo Chefe de Estado é também o Chefe de Governo, apesar da existência de um primeiro-ministro. O parlamento é unicameral com 225 lugares, sendo os seus membros eleitos por voto popular. A nível político-económico, o país alterou as suas políticas estatais e a respetiva estratégia de industrialização por substituição de importações por novas políticas orientadas para o mercado e para as exportações. Os setores mais dinâmicos são a produção de bens alimentares e bebidas, têxteis, telecomunicações, seguros e a banca. Em 1996, a produção agrícola representava apenas 20% das exportações (em comparação com os 83% registados em 1970), enquanto o setor têxtil e o vestuário constituíam 63%. O PIB teve um crescimento anual médio de 5.5% no início da década de 90 até que a seca e a deterioração da segurança interna diminuíram esse valor para 3.8% em 1996. Entre 1997 e 2000, a economia teve um crescimento médio de 5.3%, mas, em 2001, assistiu-se à maior retração económica na história do país (1.4%), devido a questões políticas, a problemas orçamentais, ao abrandamento global e ainda ao continuado ambiente de conflito interno. Esse valor voltou a recuperar para 3.2% em 2002. As exportações do país movimentaram, em 2002, 4.6 mil milhões de dólares, sendo os principais parceiros os EUA (39,1%), o Reino Unido (12.9%), a Bélgica (4.7%) e a Alemanha (4.5%). Quanto às importações, movimentaram 5.4 milmilhões de dólares e os principais parceiros de importação foram a Índia (11%), Hong Kong (7.6%), Singapura (7.1%), China (6.3%), Taiwan (5.9%), Coreia (5.7%), Japão (5.3%) e Irão (4.2%). Caros colegas, o Sri Lanka tem um rendimento per capita de 814 USD, colocando-se em nonagésimo primeiro lugar num total de 175 países. Quanto ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), era 0.697 em 1990, tendo evoluído para 0.719 em 1995 e para 0.741 em 2000. Segundo dados de 1998, o Sri Lanka recebeu 577 milhões de dólares de ajuda económica, sendo a sua dívida externa de 9.8 bilhões de USD. Por último, a nível militar, o país tem despesas no valor de 719 milhões de USD, que representam 4.2% do PIB. Caros colegas, apesar do país ter alcançado sempre bons resultados em termos de desenvolvimento social, com um taxa de literacia adulta de 91%, a performance económica do Sri Lanka tem sido inferior à de outros países do Sul e do Sudeste Asiático. Uma das principais razões apontadas para esta discrepância, é, segundo GOODHAND & ATKINSON (2001:24-28), a guerra civil. Caros colegas, agora vamos discutir a breve história do país Remontando ao século XVI, refira-se a chegada dos portugueses a Ceilão (antiga designação do Sri Lanka) em 1505 ou 1506, na sequência de uma forte tempestade no mar e de ventos adversos que os levaram a atracar. A presença portuguesa em Ceilão levou à assinatura de um acordo com o Rei de Ceilão, a partir do qual a Ilha foi dividida em quatro reinos: Kotte (o mais importante), Sitawaka, Kandy e Jaffna. Em 1518, os portugueses construíram um forte em Colombo, que seria depois invadido pelos cingaleses. Em 1524, acabaram por destruí-lo e retirar-se da Ilha, mantendo apenas um representante sob a proteção do reino cingalês em Kotte. A retirada portuguesa de Colombo levou à conquista do reino de Kotte pelos mercadores muçulmanos e à reconquista do comércio de canela. No entanto, estes foram vencidos pelos poucos portugueses ainda presentes na Ilha. Nessa altura, os “Mappillas” (os muçulmanos “malabar”), que alimentaram um conflito dinástico nos reinos de Sitavaka e Kotte até 1539, opuseram-se àpresença portuguesa, que conseguiu novamente vencê-los em 1538 e 1539, permanecendo na Ilha e dando início a uma missão de evangelização Já em 1550, 500 soldados portugueses chegaram a Ceilão para ocupar Kotte e saquear Sitawaka. Desde então, a presença portuguesa foi-se acentuando e, em 1556, cerca de 70.000 pessoas pertencentes a uma comunidade de pescadores da costa sul de Colombo foram convertidas ao Cristianismo, bem como os reinos de Kotte, Dharmaopala e “Queen”, além de serem adoptados alguns títulos de nobreza e a língua portuguesa. Veja in: www.worldstatement.org/Sri_Lanka.html, RAMERINO (1999), OFSTAD (2000), ou Ver RAMERINO et al (2001). Até ao final do século XVII, os portugueses foram os senhores de Colombo, Galle, Kalutara e Negombo e continuaram a marcar presença em Jaffna e Nallur. Depois da morte do Rei D. João Dharmaopala em Colombo, sem herdeiros, foi acordado que o reino seria doado ao Rei de Portugal. O então Rei D. Filipe de Portugal e Espanha foi proclamado Rei de Ceilão, estando todo o território do reino de Kotte sob o controlo português, excepto Kandy. Em 1602, chegou a Ceilão a primeira expedição holandesa, que atracou num porto de Batticaloa que nunca havia sido ocupado pelos portugueses, tendo aí estabelecido boas relações com o Rei de Kandy contra os portugueses. A presença portuguesa terminou definitivamente em 1658. Nesse ano os holandeses tomaram Colombo e Ceilão tornou-se uma colónia holandesa. Mais de um século depois, em 1796, a Ilha foi ocupada pelos ingleses, tornando-se uma colónia do Reino em 1802 e sendo unida pela lei britânica em 1815. Durante o “British Raj” isto é, entre 1858 e 1947, a minoria Indú tamil da colónia de Ceilão apoderou-se de parte significativa dos postos governamentais que era superior à sua percentagem de população e extremamente desproporcional entre os homens de negócios. Pouco tempo após a independência do Sri Lanka, em 1948, esta vantagem étnica provocou um certo clima de ressentimento. Aquando das eleições de 1956, ambos os partidos cingaleses prometeram que o cingalês seria a única língua oficial. A plataforma do partido vencedor chamava-se “Sinhala Only”. Nessa altura, o principal partido Tamil veio pedir uma região independente da língua Tamil e um Sri Lanka federal. Não tendo sido aceite tal reivindicação, a violência eclodiu em 1958 após terem surgido rumores de que um Tamil tinha morto um cingalês. Ocorreu sob a forma de motins inter-comunas e provocou centenas de mortes, principalmente entre os Tamils. Caros colegas, segundo a WIKIPEDIA, o “British Raj” é a designação informal do período de mandato britânico no sub-continente indiano, actualmente Índia, Paquistão e Bangladesh. Durou de 1858, quando a Companhia Britânica das Índias de Leste passou para o comando da coroa, até 1947, aquando da independência da Índia e do Paquistão. No início da década de 60, surgiu uma nova vaga de violência inter-comunas na altura em que as políticas do partido “Sinhala Only” foram implementadas. Mais tarde, durante as eleições de 1977, o principal partido Tamil voltou a exigir a independência, tendo sido iniciada uma onda de terrorismo pelos “Tigres para a Libertação da Pátria Tamil” (LTTE) , mais conhecidos por “Tigres Tamil”, que teve como primeira ação o assassinato do presidente de Jaffna. Logo após as eleições, surgiram novos rumores de que os rebeldes Tamil tinham morto um polícia cingalês, o que provocou novo motim do qual resultaram 300 mortes. Em 1983, morreriam mais de 400 pessoas às mãos dos Tamil. Os acontecimentos que marcaram o Sri Lanka entre 1977 e 1983 conduziram ao início de uma guerra civil. Em 1983, os Tigres Tamil desencadearam ataques suicidas bombistas em larga escala, que tiveram como reação do Governo o desenvolvimento do uso de pelotões de choque espalhados por todo o território Tamil. Desde então, verificaram-se alguns períodos de cessar-fogo e de negociações para a paz, mas, em todas as ocasiões, o processo foi quebrado pelo LTTE, como afirma OFSTAD (2000:1-6). Em 1987, a Índia mediou um acordo de paz que foi aceite por outros grupos militantes Tamil também envolvidos na luta armada, que passaram, desde então, a colaborar com as forças governamentais contra o LTTE. No original, “Liberation Tigers of Tamil Eelam”. LTTE é a sigla inglesa, como acima demonstramos. Em 1990, o LTTE tomou controlo físico sobre a Península e a cidade de Jaffna, que é a capital tradicional e cultural da comunidade Tamil no Sri Lanka, e ainda sobre a maioria dos distritos do norte - na região de Vanni, - e sobre grandes áreas nas províncias de leste. Depois de subir ao poder em 1995, o Governo da Aliança Popular apresentou um pacote de medidas políticas que incluía a reforma constitucional e a reformulação do Sri Lanka de Estado único para uma república soberana constituída por uma união de regiões, (OFSTAD, 2000:1-2). Todavia, este pacote chumbou no Parlamento e, após as eleições parlamentares de 2000, a coligação governamental tornou-se ainda mais frágil. Na primeira metade de 1996, as forças governamentais voltaram a ganhar controlo sobre a península de Jaffna, mas, em meados de 2000, o LTTE já tinha voltado a recuperar uma parte da Península, desencadeando fortes conflitos nos arredores da cidade. Finalmente, em Fevereiro de 2002 e após quase duas décadas de guerra, o Governo do Sri Lanka e os Tigres Tamil assinaram um Memorando de Entendimento sobre o cessar-fogo. O primeiro tinha ocorrido em 1995, mas durou apenas 4 meses. O Governo norueguês mediou as negociações até que, quando se discutiam algumas partes do acordo na Tailândia em Novembro de 2002, um tribunal em Colombo determinou uma sentença in absentia de 200 anos de prisão para o líder dos Tamil, Vellupillai Prabhakaran, por conspiração no ataque bombista que havia morto 100 pessoas em 1996. Nessa altura, temeu-se que a Presidente do Sri Lanka – ela própria gravemente ferida pelos Tamil – tentasse impedir o Primeiro- Ministro (do partido cingalês da oposição) de continuar com as negociações, mas não aconteceu. A guerra civil no Sri Lanka provocou pesados custos humanos e económicos, causando a morte a mais de 70.000 pessoas, na sua maioria combatentes, e implicou o deslocamento de mais de 1 milhão de pessoas ao longo do tempo. Caros colegas, vejamos agora as especificidades da guerra civil e as estratégias do Governo e do LTTE Caros colegas do ISEDEF, o caso do Sri Lanka pode ser resumido, recorrendo à descrição de TOMMASOLI (2003:8-119), como o exemplo de um país com uma democracia já estabelecida há algum tempo, onde a guerra não terminou com um acordo de paz, tendo a violência continuado de uma forma ou de outra e onde o Governo não controlava uma parte do território. OFSTAD (2000:18-23) distingue quatro zonas de conflito: 1. as áreas sob controlo do LTTE, principalmente Vanni e as zonas a leste; 2. as áreas anteriormente sob controlo do LTTE, mas que foram recapturadas pelas forças governamentais, principalmente a Península de Jaffna desde 1996; 3.as áreas fronteiriças com grandes riscos de insegurança, em que as lutas ocorreram nas partes a leste, em Vanni e nos distritos vizinhos; 4. o resto do país, que não foi directamente afetado pela guerra e onde vive cerca de 85% da população. O autor resume a estratégia do Governo do Sri Lanka em três objectivos: 1. isolar o LTTE da população Tamil e usar os militares para reduzir a capacidade de luta do LTTE, de forma a obrigá-los a negociar um acordo de paz; 2. negociar uma solução política baseada numa forte devoção ao poder nas províncias e outras reformas que assegurassem oportunidades iguais e o respeito pelos DH e 3. viabilizar a reabilitação económica e a reconstrução nas áreas afetadas pelo conflito após a restauração da paz. Além das políticas levadas a cabo para alcançar estes objetivos, a política governamental foi também, segundo OFSTAD (2000:2-8), influenciada pela ajuda internacional, o que se reflectiu na preocupação em reduzir a internacionalização do conflito e limitar a presença das organizações humanitárias nas zonas de conflito, através da imposição de uma série de restrições à presença das mesmas. O Governo tomou medidas para ostracizar o LTTE e para reduzir todas as ligações internacionais que pudessem ser vistas como forma de reconhecimento. OFSTAD (2000:3-9) refere ainda o fato de o Governo ter utilizado uma política dupla no que concerne ao desenvolvimento e à reconstrução de Jaffna e da zona Leste. Ao mesmo tempo que manifestou interesse em reconstruir e desenvolver essa região, mantinha as sanções e um rígido controle militar, o que dificultava a concretização desses objetivos. O LTTE, por sua vez, tinha o objetivo de estabelecer um Estado independente para a comunidade Tamil no norte e no leste, o que implicava eliminar os opositores políticos dos Tamil e fazer uma limpeza étnica nas suas áreas de controlo. Ao mesmo tempo, afirma OFSTAD (2000:3-9), queria assumir-se como força política e militar aceite internacionalmente, que representasse e protegesse a comunidade Tamil e que aplicasse as normas internacionais em tempo de guerra sempre que possível. Para levar a cabo o seu objetivo, caros colegas, o LTTE implementou uma estratégia de controlo militar sob determinados territórios, constituindo uma administração civil de facto nessas áreas e efetivamente declarando o “Tamil Eelam”. Caros colegas do ISEDEF, o LTTE manifestou também vontade em negociar politicamente com o Governo do Sri Lanka, preferencialmente através de uma terceira parte intermediária, o que viria a concretizar-se através dos esforços noruegueses para facilitar as negociações desejadas. Nessa altura, caros colegas, foram feitas várias propostas no sentido de fortalecer o poder das unidades regionais ou de estabelecer uma forma de federalismo ou confederalismo. De sublinhar que, segundo OFSTAD (2000:3-9), enquanto o Governo foi eleito numa base de eleições parlamentares multi-partidárias e eleições presidenciais, o LTTE nunca participou nas eleições e nunca aceitou partidos alternativos ou movimentos nas suas áreas de controlo. Uma das principais particularidades da guerra civil no Sri Lanka é que o Governo manteve a sua presença nas áreas controladas pelo LTTE, assegurando às populações dessas regiões os serviços básicos como escolas, centros de saúde, estradas locais e sistemas de água. Para o efeito, os funcionários públicos continuaram a receber os seus salários e pensões e o Governo continuou a dar alimentos aos deslocados e outras vítimas da guerra. No entanto, quer o LTTE, quer as forças governamentais, cometeram sérios abusos de desrespeito dos DH, incluindo desaparecimentos, torturas e assassinatos, como afirma OFSTAD (2000:3-18). Ambos foram acusados de não aderirem às Convenções de Genebra sobre Proteção de Civis durante a Guerra. Apesar disso, diz o autor, é de consenso geral que o Governo melhorou o seu respeito pelos DH na segunda metade da década de 90, comparativamente com os finais dos anos 80 e início dos anos 90, (OFSTAD, 2000:3-19). Já o LTTE é responsável pelo assassinato de vários líderes políticos (incluindo presidentes, ministros e membros do Parlamento) e por colocar bombas contra alvos civis em Colombo e noutras cidades. O LTTE é mesmo “reconhecido como uma das mais sofisticadas e mortíferas organizações rebeldes no mundo”, afirmam BYMAN et al. (2001:41-97), aplicando métodos como o assassínio seletivo e atos de terrorismo indiscriminados. Caros colegas do ISEDEF,vejamos agora as causas da guerra civil neste debate FEARON (2002:11-58) caracteriza as guerras civis na Ásia como sendo das mais longas do mundo e como tendo uma dinâmica similar: o Estado é dominado por um grupo étnico maioritário, cujos membros enfrentam a pressão popular nas suas áreas de agricultura tradicional. Em resultado, muitos migram para outras zonas menos povoadas e menos desenvolvidas do país, habitadas por minorias étnicas, designadas por “filhos da terra”. Estas, por vezes, desencadeiam rebeliões contra os migrantes e contra o apoio do estado aos mesmos. Foi o que aconteceu aos Tamils no norte e no ocidente do Sri Lanka, bem como na China, no Paquistão, na Papua Nova Guiné e noutras regiões. A causa mais importante da guerra no Sri Lanka será a composição étnica da sociedade. Como já tínhamos referido e de acordo com COLLIER et al. (2003:57-149), se uma grande diferenciação étnica e religiosa reduz significativamente o risco de guerra civil, uma diferenciação mais limitada pode ser mais problemática já que o grupo étnico dominante forma a maioria na sociedade, fazendo aumentar o risco de rebelião pelas minorias. ARMON, CARL & PHILIPSON (1998:1-173) explicam que o conflito étnico nacional marcou o Sri Lanka durante 50 anos, desde a independência até que, em 1983, degenerou em guerra civil. Além disso, o conflito no Sri Lanka é “(...) o caso claro de que a retórica da mobilização étnica cristalizou gradualmente uma profunda polarização que não assenta em pilares históricos primordiais”, afirma MUSCAT (2000:60). O conflito terá tido origem “(...) em longas percepções estereotipadas e no medo dos papéis económicos, direitos territoriais, étnicos e históricos, e ameaças culturais”. Neste contexto, o programa de liberalização exacerbou as hostilidades inter-étnicas, não tendo ponderado as suas implicações no conflito. GOODHAND & ATKINSON (2001:25-85) apontam outras especificidades desta guerra civil, designadamente o fato de o conflito não ser uma causa ou uma consequência de um Estado colapsado ou ser um Estado falahado, por outras palavras, caros colegas. Os autores afirmam que “uma aparente anomalia da guerra no Sri Lanka é que a democracia, o comunalismo e o conflito desenrolaram-se ao mesmo tempo e alimentaram-se uns aos outros”. Curioso também, consideram os autores, caros colegas, é o fato de a força motora da guerra ter continuado a ser a injustiça política e não a “cobiça”, (como já tinhamos discutido em reflexões anteriores), apesar de ser um conflito prolongado no qual se desenvolveram alguns interesses económicos que beneficiariam da sua continuação. Caros colegas do ISEDEF, a propósito das tensões resultantes de desigualdades entre a minoria tamil e a maioria cingalesa desde o início da década de 80, o PNUD (2004:41-187) explica que “os administradores coloniais favoreceram economicamente a minoria tamil, mas essa vantagem foi seriamente revertida quando os cingaleses conquistaram o poder e marginalizaram cada vez mais a minoria tamil, em áreas como as oportunidades de educação, o recrutamento para o funcionalismo público ou a política linguística”. Vejamos agora a influência da diáspora nesta guerra civil O factor diáspora (nos países ricos) é, como vimos em debates anteriores, extremamente influente na eclosão e no prolongamento do conflito, na medida em que o aumento do número de emigrantes provenientes dos PED foi acompanhado de um aumento do financiamento pela diáspora. Exemplo disso é a comunidade Tamil nos países da OCDE, superior à mesma na Península de Jaffna, de acordo com COLLIER et al. (2003:146-98). As estimativas indicam que as organizações de diáspora Tamil deram mais de 450 milhões de USD/ano na década de 90, canalizados para a aquisição de armas pelos Tigres Tamil. Um exemplo prático dessa situação foi o ataque bombista que ocorreu em 1996, utilizando explosivos provenientes do leste europeu adquiridos com fundos de uma conta bancária em Singapura, aberta por um canadiano originário do Sri Lanka. Esse ataque em Colombo matou 86 civis e feriu mais de 1.400. Segundo BYMAN et al. (2001:41-86), o LTTE contou sempre com grande apoio dos Tamil no país e teve sempre recursos consideráveis, pelo que requeria menos apoio externo. Por isso, mesmo que houvesse um corte no apoio da diáspora, o LTTE continuaria a ser uma força militar e política potente, ainda que diminuída. De resto, ainda segundo BYMAN et al. (2001:45-86), o LTTE desenvolveu métodos de propaganda extremamente sofisticados que tinham como alvo a diáspora Tamil e também os governos hostis. Essa propaganda é difundida através de emails, internet, linhas telefónicas, mailings, livrarias, programas de televisão e de rádio, entre outros. Os seus resultados, afirmam os autores, foram muito mais potentes que qualquer campanha do Governo cingalês, seu rival. COLLIER et al. (2003:146) indicam que só recentemente os países industrializados começaram a banir o apoio da diáspora. Desde então, as remessas da diáspora para os Tigres Tamil foram substancialmente reduzidas, o que teve uma grande influência na redução das exigências dos rebeldes no país. Só em 2002 os Tigres Tamil abandonaram a sua reivindicação de independência e aceitaram negociar a paz. A influência dos atores externos Sublinhámos já a importância relativa da dimensão internacional dos conflitos civis, em debates já concluídos, designadamente a influência exercida pelas potências mundiais como os EUA. Porém, no caso do Sri Lanka, esse fator é de menor importância, uma vez que não teve um forte envolvimento de uma superpotência ou de poderes regionais, como afirmam GOODHAND & ATKISNON (2001:25-64). A Índia defendeu naturalmente os direitos civis e políticos dos Tamil, sem agitar as exigências separatistas dentro das suas próprias províncias e de forma a evitar uma intervenção excessiva por parte das potências internacionais suas rivais, como indica o ACCORD (1998:8-19). Porém, e apesar desses objetivos se terem mantido consistentes, os métodos indianos para os alcançar variaram substancialmente. O ACCORD (1998:8-17) relata que, a partir de 1983, o Governo indiano treinou e armou vários grupos militantes Tamil; coagiu militantes e o Governo do Sri Lanka a participar em conversações de paz; financiou o estabelecimento de uma nova delegação do Governo Regional através no Sri Lanka e enviou uma força de manutenção de paz indiana para assegurar o cessar-fogo nas zonas norte e leste da Ilha. Porém, em 1989, essa força envolveu-se numa guerra viciosa contra o LTTE, o que levou ao crescimento da oposição doméstica e militar contra a intervenção no Sri Lanka. Também o novo Governo cingalês se opôs à cooperação com a Índia e exigiu a retirada da força de paz do país em 1990, no mesmo ano em que o LTTE assassinou o ex-Primeiro Ministro Rajiv Gandhi, diz o ACCORD (1998:8-16). O papel do Governo indiano no Sri Lanka foi, assim, silenciado até 1994 quando a Índia apoiou a campanha do Governo da Aliança Popular para marginalizar o LTTE. O ACCORD (1998:10-11) indica que o interesse norte-americano aumentou depois de 1977, devido à abertura económica do país no refrear das relações entre o Sri Lanka e a Índia. Já após o fim da Guerra Fria, o potencial para investimento norte-americano no país aumentou e as relações entre os dois países melhoraram. Em 1998, o ACCORD (1998:11) indicava que as forças especiais norte-americanas treinaram o exército do Sri Lanka, mesmo em situações de combate, ao mesmo tempo que o Governo norte-americano desempenhou um papel importante na denúncia das atividades terroristas do LTTE. A mediação do conflito pela Noruega O cessar-fogo e a assinatura do Memorando de Entendimento em 2002 foram acompanhados pela Missão de Monitorização do Sri Lanka (MMSL), que se tratou de uma operação nórdica, liderada pela Noruega e que teve como objetivo monitorizar o cessar-fogo e impedir que as partes violassem o Acordo de Paz. CRAVO (2004:165-198) explica que “a Noruega agarrou a janela de oportunidade que se vislumbrava no conflito do Sri Lanka e forneceu às partes envolvidas apoio para o recomeço do processo político, tirando, oportunamente, vantagem das mudanças nacionais e internacionais favoráveis”, nomeadamente a exaustão da população face à guerra; o reconhecimento pelas partes da necessidade de um acordo político, a insustentabilidade do número de mortes perante a comunidade internacional. Segundo SAMSET (2004a:2-12), o Governo norueguês preocupou-se em incluir no acordo cláusulas sobre os passos que cada lado deveria dar e sobre as medidas a tomar para manter a paz e construir a confiança. No entanto, a força técnica do acordo enfatizou apenas a questão central sobre o compromisso de cada parte em manter e respeitar a paz. O Memorando de Entendimento de 2002, em oposição aos anteriores, levou a uma interrupção eficaz do fogo entre as partes que dura até hoje. Porém, apesar das partes rejeitarem o regresso à guerra, elas continuaram a cometer muitos actos contra civis, interpretadas pelo Acordo como violações ao cessar-fogo. SAMSET (2004: 13-14) indica que, entre Fevereiro de 2002 e Junho de 2004, a MMSL recebeu 2524 queixas de violações do Acordo de Cessar-Fogo (efetivamente consideradas como tal), o que representa cerca de três violações por dia no pós-guerra. Dessas, 95% (2412 violações) terão sido cometidas pelo LTTE, tratando-se mais de metade de recrutamento forçado de crianças para os Tigres. Além disso, a própria MMSL terá sido irrealista e pouco imparcial no acompanhamento do cessar-fogo, segundo SAMSET (2004:10-19). Por exemplo, a MMSL deveria realizar-se nas zonas norte e leste do país. Porém, devido à falta de recursos, optou-se por monitorizar apenas as zonas dominadas pelo LTTE, o que implicou que as violações cometidas pelo Governo não fossem reportadas. Essa opção exacerbou também as divisões étnicas, na medida em que, para a população, significou que era mais importante o sofrimento dos Tamil do que dos budistas cingaleses. SAMSET (2004:12-24) considera ainda problemático o facto de o cessar-fogo ter reconhecido implicitamente o LTTE como único representante do lado anti- Governo, quando se sabe que os Tigres suprimiram ativamente e de forma violenta outros grupos de oposição ao Governo. Além disso, a autora indica que o Acordo previu o desarmamento dos grupos para-militares Tamil não-LTTE, tendo, com isso, ajudado o LTTE a ganhar duplamente: a vitória simbólica por ser o único representante Tamil e a vitória no terreno contra os seus opositores. Também CRAVO (2004:165) considera que “o processo de paz foi (...) ensombrado por uma série de incidentes, de tal forma que, em 2003, parecia estar arruinado com a suspensão das negociações. A autora explica que, se por um lado, o LTTE tem-se mostrado intransigente e politicamente reforçado na região norte e leste do país, por outro lado, os principais países cingaleses têm-se mostrado incapazes de cooperar entre si. Essa fragmentação política deu espaço a que os partidos da oposição e os grupos budistas nacionalistas se afirmassem cada vez mais, opondo-se a possíveis concessões federalistas aos Tamil e também à crescente intervenção externa. Consequentemente, tem sido feita pressão para a retirada da Noruega, que, segundo CRAVO (2004:165) é “acusada de favorecer o LTTE nas negociações”. Descrição geral da ajuda Internacional e a sua influência no conflito A descrição estatística da APD terá por base o período 1980-2002, iniciando-se três anos do começo do conflito no Sri Lanka, e resulta do cruzamento de informação de uma base de dados da OCDE. Segundo os dados da OCDE, o total da APD de 1980 a 2002 foi de mais de 5 mil milhões de dólares. O gráfico abaixo mostra essa evolução: Gráfico da APD dada ao Sri Lanka por ano e por tipo de 1980 a 2002 A ajuda oscilou bastante durante esse período, com muitas descidas e aumentos abruptos. Verifica-se, por exemplo, uma forte diminuição da ajuda no ano em que eclodiu a guerra (1983), no entanto, tendo sido compensada no ano seguinte. Ao longo do tempo predominaram claramente os empréstimos concessionais da APD, seguidos dos donativos oficiais. Esse tipo de ajuda tende a oscilar mais, na medida em que, como vimos em debates anteriores, reage mais ao ambiente político do país receptor impondo-lhe condicionalidades. A predominância dos empréstimos é mais perceptível no gráfico abaixo, onde se verifica também que 64% corresponderam a empréstimos, 34 % a donativos e que o investimento de equidade, os outros fluxos oficiais e outros donativos têm pouca ou nenhuma expressão no gráfico. O gráfico abaixo expressa o peso relativo dos vários tipos de APD dada ao Sri Lanka de 1980 a 2002 Quanto aos setores a que se destinou a ajuda, destacam-se a energia (19%) e a agricultura, florestas e pescas (16%) e o transporte e armazenamento (14%) como indica o gráfico abaixo. O gráfico abaixo indica o peso relativo dos principais tipos de APD por sector (1980-2002) peso relativo dos principais tipos de APD por sector (1980-2002) O gráfico baixo permite-nos visualizar a evolução da ajuda durante a guerra (e nos 3 anos que a antecederam) por doador (no quadro da OCDE) Gráfico que mostra APD (Bilateral e Multilateral) dada ao Sri Lanka por doador (1980-2002) Caros colegas, o principal doador bilateral foi o Japão (4.264 milhões de USD)270. A OECD (2004) indica que a APD dada por este país à Ásia corresponde a 74% da sua ajuda bilateral, sendo que, entre 2001 e 2002, o Sri Lanka estava incluído na lista dos dez países que mais ajuda receberam do Japão271. Seguiram-se-lhe a Alemanha (653 milhões USD), a Suécia (516 milhões USD), o Canadá (398 milhões), a Holanda (389 milhões) e os EUA (356 milhões). Ao nível multilateral, verifica-se a primazia do AsDF (Asian Development Fund) com 2.434 milhões de USD273. GOODHAND e ATKINSON (2001:26) salientam também o papel do BM que, através da IDA, teve uma enorme influência na modelação da política económica governamental. Segundo os dados da OCDE, o BM (BIRD e IDA) deu 2.315 milhões de USD ao Sri Lanka, dos quais mais de 90% foram provenientes da IDA. Caros colegs, o Japão tem desenvolvido esforços para mediar diferentes conflitos na Ásia e para recuperar a sua influência no cenário mundial. Segundo Kakuchi (2002), “trata-se de uma tentativa de utilizar o seu tradicional papel de doador para obter um lugar estratégico no âmbito político mundial”. O autor cita ainda o Professor Hisashi Nakamura, Assessor de Tóquio das conversações de paz do Sri Lanka, segundo o qual “o Sri Lanka é como uma prova para a capacidade diplomática do Japão”. O gráfico a seguir mostra-nos a evolução no tempo da APD pelos cinco principais doadores destacados em debates anteriores. Eis o gráfico da evolução da APD (1980-2002) pelos 5 principais doadores (OCDE) do Sri Lanka O Japão, a IDA e o AsDF são os doadores com maiores picos de ajuda e também com mais oscilações, apesar de serem os maiores doadores. Parecem, assim, ter reagido mais à evolução da situação no terreno, condicionando a ajuda. Ao longo das duas décadas, o Japão aparece sempre como o mais importante doador. A evolução da ajuda da Suécia e da Alemanha é bastante semelhante ao longo do tempo, apesar de a Alemanha registar alguns picos na década de 80. A Alemanha é a única que regista um aumento da APD nos três anos que antecederam a guerra, descendo a pique em 1982. Apenas o Japão e a IDA, sendo o primeiro de forma mais visível, aumentaram a ajuda em 2001, provavelmente devido às perspetivas de paz no país, e apenas o Japão e a Alemanha a diminuíram em 2002, face ao retrocesso no processo. Em termos de OIs, as Nações Unidas, o Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV) e a Federação Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho (FICV/CV) tiveram um papel igualmente importante, segundo GOODHAND e ATKINSON (2001:26). Os autores salientam ainda o papel fundamental das ONGs que trabalharam na Ilha em vários setores, incluindo o desenvolvimento da comunicação, os DH, a resolução do conflito e advocacia política. Relativamente aos tipos de ajuda dados ao Sri Lanka, GOODHAND & ATKINSON (2001:27) resumem-nos a três tipos: 1. a APD convencional dirigida ao Governo, focando o ajustamento estrutural, a liberalização, a reforma governamental e o investimento em infra-estruturas; 2. a ajuda humanitária, principalmente orientada para o nordeste do país e com o objectivo de combater os custos sociais do conflito; 3. a ajuda de doadores bilaterais, que apoiaram organizações da sociedade civil em áreas como os DH, a resolução de conflito, desenvolvimento de capacidades e reforma judicial. Sobre a ajuda, os autores afirmaram, em 2001, que “apesar de os níveis de financiamento terem permanecido constantes nos últimos anos, espera-se que eles decresçam a médio prazo. A ajuda tende a declinar significativamente quando o IDE se torna mais importante e os doadores se retiram, quer porque o conflito os impede de alcançar o seu objectivo, quer porque o Sri Lanka deixou de ser prioritário, uma vez que alcançou o estatuto de rendimento médio”, afirmam GOODHAND & ATKINSON (2001:27-97). Os autores alertam também para o fato da probabilidade da ajuda ter impato no processo de construção de paz e tender a declinar quando essa situação acontece. Ainda assim, a curto prazo, “a ajuda é um instrumento político significativo no contexto do Sri Lanka e pode ter uma influência importante no sistema de incentivos e nas estruturas do conflito”. As estratégias da ajuda internacional e os principais tipos de ajuda Os atores humanitários tiveram dificuldaders em entrar no Sri Lanka inicialmente. Segundo o ACCORD (1998:9-21), o CICV só foi autorizado a entrar no país em 1989 depois de uma longa campanha levada a cabo por grupos de direitos civis e de uma forte resistência por parte do Governo. Desde então, o Comité pôde prestar ajuda às vítimas da guerra, visitar prisioneiros e promover as Convenções de Genebra. Durante os anos da administração do LTTE em Jaffna, o CICV manteve contato com os rebeldes, sendo, por vezes, a única organização a fazê-lo. Actuou também como intermediário do Governo e do LTTE entre 1994 e 1995. Quanto a outras ONGs e OIs, o ACCORD (1998:9-98) indica que estas operaram no Sri Lanka, promovendo o desenvolvimento, os DH e outras questões democráticas e ambientais. Muitas trabalharam também a nível político e em prol da reconciliação ao nível das raízes do conflito. Mantiveram-se no país a trabalhar para uma resolução digna do conflito étnico mesmo “apesar de a sociedade civil no norte e no leste ter sido seriamente afectada pela guerra, migração e por uma hegemonia forçada do LTTE”. Parecem ter optado por uma abordagem maximalista da ajuda, tal como a descrevemos nos debates anteriores. O ACCORD (1998:9-98) explica ainda que as ONGs actuaram na corda bamba entre o Governo e o LTTE, tendo que se manter publicamente cingidas ao seu mandato humanitário. Ainda assim, criaram-se dois consórcios: o primeiro juntou ONGs no nordeste do país para partilhar informação e coordenar o trabalho nas zonas afectadas pela guerra; o segundo, com objetivos similares, dedicou-se a todo o Sri Lanka promovendo o lobby humanitário. Em 1994, as ONGs terão mesmo sido encorajadas pelo êxito eleitoral da Aliança Popular. Nessa altura, as iniciativas da sociedade civil aumentaram rapidamente no sul, com numerosas delegações de paz, campanhas de consciencialização e workshops sobre a resolução do conflito, etc. Porém, em meados de 1995, o movimento pela paz foi desfeito devido ao colapso das conversações entre Governo e LTTE. Quanto às Nações Unidas, as agências mais activas no Sri Lanka foram o PNUD e o ACNUR, de acordo com o ACCORD (1998:10-111), tendo este último sido particularmente eficaz na abertura de centros de ajuda (o maior deles em Madhu, na parte ocidental de Vavuniya). O PNUD, por sua vez, geriu um conjunto de programas no nordeste; apoiou o Governo do Sri Lanka na reabilitação de Jaffna e começou as operações de desminagem na Península. O envolvimento da ONU na mediação do conflito provocou reações públicas negativas no sul, o que se deverá, segundo o ACCORD (1998:10-87), à crença de que o lobby Tamil estava sob a influência das Nações Unidas. Relativamente ao financiamento do desenvolvimento e à cooperação com as Instituições de Bretton Woods, o ACCORD (1998:9-76) afirma que, com a sua política comercial relativamente aberta e com alguma estabilidade económica, o Sri Lanka mostrou ser um membro relativamente cooperante com o BM e com o FMI. Ainda assim, a eficiente base de impostos, o impressionante desenvolvimento económico e o apoio significativo do BAD, do Japão e de outros doadores bilaterais, provaram que as finanças nacionais não são desproporcionamente influenciadas pelas instituições multilaterais. Enquanto essas se mantiveram relativamente desligadas do decorrer da guerra, os doadores internacionais impuseram a paz e os DH como condição para a sua ajuda e, no final da década de 80, o Grupo de Doadores de Paris alertou o Governo para parar com a repressão brutal contra os insurgentes no sul do país. Caros colegas, GOODHAND & ATKINSON (2001:27-39) resumem a orientação da ajuda a três formas essenciais. A abordagem predominante consistiu em trabalhar “à volta do conflito”, na medida em que “o conflito é um fator disruptivo a ser evitado”. Nessa perspetiva, os doadores evitavam trabalhar nas áreas afetadas pelo conflito e a ajuda ao desenvolvimento foi suspensa no nordeste do país. Se existiu ligação entre o conflito e o desenvolvimento, explicam os autores, é porque o conflito é visto como o impedimento que pode ser mais facilmente removido com abertura de mercado e desregulação. Os principais seguidores desta abordagem foram o Japão e o BAD que evitaram o nordeste do Sri Lanka até ao final da guerra. Quanto ao BM, começou já a investir no nordeste nos últimos anos, embora o seu programa focasse o sul. A segunda abordagem é a das agências que trabalhavam no nordeste e que foram forçadas a estabelecer uma ligação mais coerente entre os seus programas e o conflito. Em resultado disso, adoptaram programas que lhes permitiram trabalhar mais eficazmente na guerra, reduzindo os riscos de conflito e garantindo que a ajuda não prejudicasse (a abordagem “Do no harm”). Esta foi a perspetiva seguida por ONGs internacionais como a OXFAM e a CARE e pelo ACNUR. A terceira e última abordagem referida por GOODHAND e ATKINSON (2001) foi a seguida por um pequeno grupo de doadores bilaterais que reconheceram a importância da ligação entre conflito e desenvolvimento e cuja ajuda foi orientada para o conflito. Países como a Noruega, Canadá, Holanda, Alemanha, Suécia, Suíça e Reino Unido priorizaram os DH, o alívio da pobreza, a boa governação, a educação e a resolução do conflito. OFSTAD (2000:18-53) faz uma análise interessante acerca das estratégias de ajuda internacional aplicadas, focando o período de 1994 a 1999, após as eleições que trouxeram a Aliança Popular e o presidente Chandrika Kumaratunga ao poder. Segundo OFSTAD (2000:3-4-5), os doadores internacionais confrontaram-se com quatro questões de fundo: (1) até que ponto o programa de ajuda apoiou politicamente o governo ou financiou indirectamente o esforço de guerra? (2) será que o conteúdo e a orientação do programa de ajuda podia funcionar como um desincentivo aos esforços de paz? (3) será que a reabilitação e a reconstrução desenvolvidas prematuramente em zonas de conflito podem contribuir para o processo de paz? (4) que tipo de medidas de desenvolvimento devem ser implementadas nas áreas controladas pelos rebeldes? Face a estas questões de fundo, os doadores seguiram quatro estratégias ou abordagens diferentes, como distingue OFSTAD (2000). A abordagem tradicional, seguida por grandes doadores como o Japão, o BAD e o BM até há pouco tempo, consistiu em ignorar a guerra e dar APD como se essa não existisse. A única excepção foi evitar todas as zonas de conflito a norte e a leste por razões políticas e de segurança. OFSTAD (2000) considera que esta abordagem pretendia ser neutra, mas com isso esqueceu a necessidade de um desenvolvimento equilibrado e de algumas medidas extraordinárias nas áreas afectadas pelo conflito. Nesta perspectiva era considerada amiga dos Governos, prestando um apoio indirecto e passivo à estratégia global do Governo. A abordagem dos direitos humanos (DH) era oposta à anterior. O exemplo foi a intervenção do Canadá que decidiu não dar ajuda directa através do Governo, mas sim através de ONGs e de instituições, especificamente instituições de DH no sector governamental. Esta posição justificou-se pelo facto de o antigo regime de Premadasa ter cometido sérios abusos de DH. Caros colegas, a abordagem compreensiva, seguida pelas agências das Nações Unidas (como grupo) e por um número crescente de doadores bilaterais de tamanho médio como a Holanda, Alemanha e Reino Unido, consistiu em manter um programa de ajuda regular em estreita cooperação com o Governo, com enfoque nos deslocados internos e civis afectados pela guerra. Esta abordagem deveria ser balançada e abrangente, procurando criar oportunidades para integrar todas as partes numa perspetiva de desenvolvimento sustentável e tentando não antagonizar nenhuma das partes no conflito. Ainda assim, causou algumas reações negativas em ambas as partes no conflito. Por fim, a abordagem pró-activa priorizou a promoção do processo de paz, através de um apoio ativo aos esforços do Governo para criar um consenso nacional face às propostas políticas. Foi dado um apoio pró-ativo a outros programas e políticas que foram vistos como uma contribuição positiva para a educação, reforma linguística, DH e organizações para a paz, reformas judiciais, reabilitação e desenvolvimento. No entanto, estes doadores conjugaram o seu apoio à promoção da paz com outros programas de redução da pobreza e criação de emprego semelhantes à abordagem compreensiva, considerando que estes programas eram parte integrante do esforço de promoção de paz. A ajuda humanitária VERSUS o desenvolvimento Caros colegas, colocaram-se algumas questões no que respeita à divisão clássica entre a ajuda humanitária e o desenvolvimento nas áreas controladas pelo LTTE. A maioria dos doadores bilaterais contribuiu para a ajuda humanitária dos deslocados internos e de outras vítimas do conflito, canalizando verbas através das agências das Nações Unidas, do CICV e das grandes ONGs internacionais. Essa ajuda era, no entanto, suplementar, afirma OFSTAD (2000:14), já que o Governo dava assistência substancial às vítimas em termos de rações alimentares, abrigos temporários em edifícios públicos, serviços básicos de saúde e educação, mesmo nas áreas controladas pelo LTTE. O problema é que o Governo controlava rigidamente o acesso às zonas do LTTE e bania um conjunto de itens que poderiam ter um potencial uso militar, designadamente objetos de metal, maquinaria, cimento, baterias, petróleo, etc., tornando a implementação de muitos projetos praticamente impossível. Alimentos, vestuário e materiais de construção eram normalmente autorizados, mas objeto de escrutínio e de limitação em termos de volume. Quanto a medicamentos e material médico, eram aceites numa base de quota. Apesar das restrições, a ajuda humanitária manteve-se durante muitos anos, sem problemas de maior. No entanto, a guerra tornou-se uma “emergência prolongada”, pelo que começaram a surgir dúvidas sobre a limitação da ajuda a atividades humanitárias básicas ou o seu alargamento a atividades que permitissem melhorar as condições de vida das populações. Nas zonas controladas pelo Governo, foram implementados programas de reassentamento e de reintegração. Nas áreas controladas pelo LTTE, a maioria das ONGs defendia uma abordagem pelo desenvolvimento e atividades de pequena escala ou microprojetos, que chegaram a ser apoiados pelo ACNUR. Apesar de preocupado com o possível fortalecimento das capacidades do LTTE com esse tipo de atividade, o Governo acabou por aceitar a realização de projetos de desenvolvimento em pequena escala para as populações civis nessas áreas, designadamente distribuição de água, irrigação e agricultura, bem como reparação e manutenção de escolas e de centros de saúde. No entanto, segundo OFSTAD (2000:15), foram mantidas as sanções militares e alguns bens continuaram a ser banidos e algumas atividades a ser restringidas. Caros colegas, em relação aos programas de reabilitação, levantaram-se também algumas questões. Será prematura a reabilitação em zonas contestadas pelo LTTE ou até mesmo sob controlo deste? Ou seja, será que a reabilitação devia ser feita enquanto a guerra ainda estava em curso ou será que deveria ser usado um grande programa de reconstrução como incentivo para um acordo de paz? Esta questão pode ser vista de diversos ângulos. Segundo OFSTAD (2000:11), para os doadores tradicionalistas, a principal preocupação é a segurança do seu pessoal diplomático e dos investimentos feitos na região. Caros colegas do ISEDEF, já os doadores não tradicionalistas consideram que se deve aceitar um risco maior se a atividade em causa melhorar as condições económicas e sociais das populações. A este propósito, surgiram algumas questões. O Governo queria ver rapidamente implementado um programa de reabilitação para conquistar a população Tamil nas áreas que tinham passado para o controlo do Governo, apesar de ciente da insegurança local. Apesar de já não controlar essas áreas, o LTTE mantinha nelas espiões e informantes perigosos que alimentaram o medo das populações. Esta influência acontecia também ao nível dos representantes locais do Governo, a quem competia aprovar os projetos dos doadores e das agências de ajuda. Uma vez que esses representantes estavam frequentemente sob a vigilância e ameaça do LTTE, eles não aprovariam os programas que o LTTE desaprovasse. Face a este cenário, os doadores tinham que decidir como implementar os seus programas de reabilitação, sabendo que não podiam negociar com o LTTE, já que este não era uma força legítima, apesar de ser uma força reconhecida, afirma OFSTAD (2000:12), caros colegas. No entanto, sabiam que, quando um projeto era aprovado pelas autoridades locais, este tinha aceitação prévia do LTTE, pelo que os doadores podiam sentir-se relativamente “seguros”. Quanto à posição assumida pelo LTTE, este manifestou-se contra qualquer tipo de ajuda internacional após a perda de Jaffna em 1996, argumentando que a reabilitação era da responsabilidade do Governo. Por outro lado, os Tigres Tamil estavam também interessados em transmitir à comunidade internacional a imagem de uma organização responsável, pelo que rapidamente aceitaram essa ajuda, incluindo o desenvolvimento de atividades de reabilitação. Nessa altura, as agências humanitárias (ACNUR, CICV e ONGs internacionais como a Oxfam, a Care, entre outras) começaram a desenvolver programas de reabilitação nas zonas controladas pelo LTTE, com quem mantinham reuniões regulares sobre questões operacionais e de segurança. As agências das Nações Unidas aproveitavam também estas reuniões para informar o LTTE dos seus planos de ajuda e para escutar as suas reacções sobre o alcance da paz e mobilidade da ajuda. O apoio da ajuda internacional aos esforços de paz Caros colegas, o método de análise de OFSTAD (2000:5-12-24) visa estudar como cada uma das abordagens (tradicional, dos direitos humanos, compreensiva e pró-activa) deu resposta ao quatro problemas indicados anteriormente nesta discussão em decurso. Relativamente ao programa global da ajuda e ao apoio aos esforços de paz do governo, o autor afirma que as agências humanitárias não ajustaram os volumes de ajuda para incentivar o Governo a caminhar para o processo de paz entre 1994 e 1999. Esta é uma condicionalidade clássica da ajuda, que não foi concretizada, pois, na verdade, a maioria dos doadores apoiou as políticas do Governo (com diferentes ênfases e velocidades de implementação) sem ponderar as razões políticas para ajustar a ajuda nesse período. Ainda assim, diz o autor, todos os países doadores expressaram a sua preocupação com o continuado conflito armado e com os seus custos humanos e económicos no terreno. Todos consideravam que a guerra estava a bloquear os esforços de desenvolvimento, que o orçamento de defesa era demasiado elevado e que deveria ser acelerada a busca de uma solução política para se alcançar a paz desejada. Quanto ao Governo, também ele assumia publicamente a sua total concordância com estas ideias e responsabilizava o LTTE por forçar à guerra, ao mesmo tempo que acusava o principal partido da oposição (o Partido Nacional Unido) de frustar as suas tentativas de fazer aprovar no parlamento propostas políticas inteligentes. Caros colegas, os doadores continuaram, assim, a apoiar o Governo, conscientes da difícil tarefa deste em encontrar uma solução política confortável para algumas das exigências dos Tamil contra os chauvinistas budistas, que, entre 1987 e 1989, tinham já causado conflitos violentos no Su do paísl. Nessa altura, os doadores tradicionalistas passaram a focar questões como a morosa implementação dos projetos, a privatização dos serviços públicos, o défice orçamental e a reforma do setor público em geral. Os doadores pró-activos (ou compreensivos) demonstravam, por sua vez, preocupação com o processo político interno lento e com a integração e igual tratamento de todas as comunidades. Defendiam que 1. deviam ser abordadas e combatidas as causas do conflito, dinamizando setores como a educação, as reformas na língua e a descentralização com uma base não discriminatória; 2. devia ser feita uma aposta forte na melhoria dos DH, através do apoio a organizações locais de DH (como fizeram o Canadá e a maioria dos doadores bilaterais, à excepção do Japão); 3. devia contribuir-se para um desenvolvimento económico balançado, por forma a evitar que fosse canalizada demasiada ajuda para um dos lados no conflito; 4. deveria ser definido um programa de reabilitação e de reconstrução no pós-guerra. Caros colegas do ISEDEF, no geral, cada vez mais os doadores, incluindo o BM, manifestaram a sua preocupação com a falta de progresso na busca de uma solução política e com aquilo que consideravam ser um apoio inadequado ao Governo na promoção da reabilitação de Jaffna e do Leste. Apesar de todos esses cuidados, o impato dos incentivos à paz deve ter sido limitado, sustenta OFSTAD (2000:11-32), uma vez que até mesmo uma modesta reorientação da ajuda pode ser considerada um ato político num ambiente de conflito interno politizado. Segundo OFSTAD (2000:6-32), os doadores apelavam cuidadosamente à condicionalidade da ajuda, fato que merece algumas considerações por parte do Autor, como abaixo destaca. Se é verdade que os doadores apoiavam o Governo na luta contra o LTTE e no desenvolvimento de uma estratégia de paz, é igualmente verdade que havia uma má lembrança em relação ao Governo anterior, aquando da aplicação das sanções de DH. Além disso, caros colegas, quer o Governo de então, quer os governos anteriores, tinham reagido fortemente contra a condicionalidade política no âmbito do debate da ajuda, pois consideravam que a guerra era um problema político interno e argumentavam mesmo que essas tentativas poderiam não ser bem sucedidas e até criar o resultado oposto. OFSTAD (2000:7-34) vai ainda mais longe, dizendo que os críticos consideram que a ajuda internacional foi um subsídio implícito às forças de segurança do Governo e respetivas atividades militares. Porém, caros colegas, o autor admite que a ajuda é sempre um subsídio para o orçamento governamental, na medida em que permite que o Governo redireccione os recursos estatais para outros interesses. Ainda assim, caros colegas, no Sri Lanka, não há indícios de que o orçamento da defesa tenha sido influenciado com a vinda da ajuda internacional, o que se explicará pelo fato de a economia do país não estar em crise e ter recursos para financiar a guerra, “repito “TER RECURSOS PARA FINANCIAR A GUERRA”. De qualquer forma, sem essa ajuda teriam sido feitos menos investimentos em infraestruturas, no bem-estar social e na educação. Independentemente das diversas abordagens ou justamente porque elas existem, parece ser fundamental a coordenação entre doadores, como afirma UVIN (2001:23-34). No caso do Sri Lanka, segundo o autor, verificou-se que existiu uma significativa troca de informação e consulta entre estes, principalmente no terreno. A comunidade internacional deu passos no sentido da boa coordenação e da cooperação com o Sri Lanka. Em Abril de 2003, teve lugar nos EUA um seminário preparatório da Conferência de Doadores a realizar em Junho, com o fim de apoiar o processo de paz, após o cessar-fogo de Setembro de 2002. MACAN-MARKAR (2003) indica que a comunidade internacional tinha prometido doar 4.5 bilhões de dólares para a reconstrução do país, donativo que estava condicionado ao reinício do processo de paz. Porém, o LTTE interrompeu esse processo por não ter sido convidado para o seminário de Abril. Em Junho de 2003, realizou-se a Conferência de Doadores de Tóquio sobre a Reconstrução e o Desenvolvimento do Sri Lanka, liderada pelo Japão, Noruega e UE (Presidência e Comissão) e onde estiveram reunidos ministros e representantes de 51 países e de 22 OIs. De acordo com o estipulado na Declaração de Tóquio sobre a Reconstrução e o Desenvolvimento do Sri Lanka, os principais objetivos da Conferência foram “dar à comunidade internacional uma oportunidade para demonstrar a sua força e o seu empenho global na reconstrução e no desenvolvimento do Sri Lanka , bem como encorajar as partes a redobrar os seus esforços para progredir no processo de paz”. Segundo MACAN-MARKAR (2003), o LTTE, que boicotou esta Conferência, pôde ver “como é grande a pressão internacional para que ponham fim a esta luta”. A Declaração de Tóquio refere, por sua vez, que “apesar de apenas uma parte no processo de paz estar presente, a comunidade internacional aproveita esta oportunidade para mostrar a sua vontade de apoiar o estabelecimento pelas partes da estrutura administrativa necessária à reconstrução efetiva e ao desenvolvimento do Norte e do Leste”. Veja ainda mais www.peaceinsrilanka.org/insidepages/Archive/April/PressStat140403.asp A influência da ajuda no conflito de Sri Lanka OFSTAD (2000) mostrou essencialmente que a ajuda pode assumir formas muito diferentes, consoante as estratégias dos doadores e as opções seguidas em termos de uma abordagem mais tradicionalista ou mais pró-activa em cenários de guerra civil, sendo que esta última vai mais longe no que respeita a realização de ajuda humanitária e até mesmo de reabilitação em áreas controladas pelos rebeldes e no que toca à tentativa de manter o equilíbrio geral no país. Já UVIN (2001:16-43) explica que, no Sri Lanka, tal como noutros países, os doadores começaram a utilizar a APD para promover a reconciliação, quer em projetos individuais, quer em projetos conjuntos. Porém, diz, é extremamente difícil e lenta a tarefa de criar condições e oportunidades para que a comunidade mude as suas atitudes e se integre. Além disso, esse tipo de atividade baseia-se numa evidência limitada e em pensamento testado sobre as causas da violência e sobre a dinâmica social, pelo que muito trabalho há ainda que ser feito. Outra questão importante, referida por MUSCAT (2002:34-39), prende-se com a separação das questões económicas face às questões políticas domésticas pelos doadores. O autor tece uma forte crítica à separação rígida destas duas áreas feita pelas agências multilaterais, designadamente pelo BM, que considera particularmente visível no caso do Sri Lanka. A título ilustrativo, o relatório de uma missão técnica do BM enviada ao Sri Lanka em 1953, reflectia optimismo nas relações inter-étnicas no país pouco após a independência e descrevia como os diferentes grupos “vivem lado a lado com um grau pouco habitual de tolerância mútua”. Não havia a consciência da existência de diferenças étnicas significativas, explica MUSCAT, (2002), pelo que o relatório afirmou que os Tamil eram “um povo particularmente trabalhador e enérgico”, elogio que não foi dado aos outros grupos étnicos da ilha. De resto, caros colegas, também o estudo extensivo da educação omitiu o problema da sobrerepresentação dos Tamil (em proporção à população) na escola, nos empregos e, consequentemente, na sociedade civil. UVIN (2001:15-53), por seu turno, sublinha a necessidade dos doadores adaptarem o seu projeto à dinâmica do conflito e afirma que se trata de “fazer as coisas de forma diferente em vez de fazer coisas diferentes”. No caso do Sri Lanka, caros colegas, o autor dá um exemplo de como os critérios standard do desenvolvimento (decisões com base nas necessidades, eficientes, abordagens dirigidas para o produto e não para o processo) podem ter sido subordinados aos objetivos da construção da paz. É o caso de um projeto que consistiu em dar três mil casas às populações, dividindo as mesmas em igual percentagem pelos Tamil, cingaleses e muçulmanos. Porém, nem todas as comunidades foram afetadas da mesma forma pela violência, ou seja, algumas comunidades tinham mais necessidade de uma casa do que outras. Neste caso, afirma UVIN (2001:15-31), o princípio da equidade (alocação da ajuda consoante as necessidades) foi subordinado ao princípio político da igualdade (alocação aritmética), que se revelou ser injusto. Quanto aos resultados dessa ajuda, OFSTAD (2000) considera que “os grandes atores internacionais podem influenciar o processo, mas a solução básica e a vontade de a encontrar estão dentro do país. Na melhor das hipóteses, os doadores podem criar mais incentivos que desincentivos a esse processo”. GOODHAND e ATKINSON (2001:28-37), por sua vez, afirmam que, apesar da ajuda dos doadores não ter alimentado a economia de guerra da mesma forma que o fez noutros países, “programas de ajuda mal concebidos no Sri Lanka tenderam a seguir as linhas de fratura do conflito”. Por outras palavras, “foi a ajuda ao desenvolvimento concedida pelos doadores que, mais do que a ajuda humanitária, exacerbou tensões e o conflito”. Os autores ilustram esta afirmação com o exemplo do apoio aos programas governamentais para a educação que ajudou a criar um sistema educativo que reforçou as diferenças étnicas e linguísticas. A própria separação espacial e institucional da APD dada ao Sul e ao Norte também alimentou a dinâmica negativa do conflito, acentuando desequilíbrios regionais, dizem os autores, caros colegas. O mesmo se passou devido ao apoio dos doadores à liberalização económica e ao esbatimento do papel do Estado em geral. Vejamos agora o resumo e conclusões deste debate Caros colegas do ISEDEF, Académicos e Similares, a guerra civil no Sri Lanka teve consequências graves em várias esferas da sociedade, provocando muitas mortes, deslocações e danos de carácter económico e social. A guerra terá sido impulsionada por um complexo leque de causas que vão desde a composição étnica da sociedade (diversidade étnica, mas limitada) ao agravo político, provocado pelos programas de liberalização político-económicos do FMI e do BM que terão exacerbado as hostilidades interétnicas e pelo financiamento do LTTE pela diáspora. Os antagonismos entre o Governo e o LTTE alimentaram o conflito. O Governo queria deter e ostracizar o LTTE e abrir caminho às suas ações de reabilitação económica e de reconstrução pós-guerra, evitando inicialmente a publicidade internacional e a entrada da ajuda do país. O LTTE, por sua vez, queria estabelecer um Estado independente para a comunidade Tamil no norte e no leste do país, o que implicava a limpeza étnica na região e a eliminação dos inimigos políticos, e conseguir, ao mesmo tempo, o reconhecimento internacional. Ao longo deste debate, analisámos as estratégias utilizadas por cada uma das partes para alcançar os objetivos preconizados. Se o LTTE optou por uma estratégia de controlo militar em determinados territórios, com o financiamento da diáspora, o Governo terá desenvolvido esforços para negociar possíveis soluções com a mediação da Noruega, depois de tentada a via militar. Caros colegas do ISEDEF, no decurso da guerra tanto o Governo como o LTTE cometeram sérias violações dos DH, embora se tenham registado melhorias na atuação do primeiro desde a segunda metade dos anos 90. Esta guerra teve alguma intervenção da Índia e dos EUA e ainda naturalmente da ajuda internacional de que se destaca um conjunto de doadores, designadamente o Japão, o AsDF, a IDA, a Alemanha, a Suécia, entre outros, como demonstramos no decurso do debate. Foi um instrumento político importante no Sri Lanka usado nomeadamente pelo Governo do país. Caros colegas do ISEDEF, vimos também os diversos tipos de ajuda dada pelas OIs, ONGs e doadores internacionais. O CICV só pôde entrar no país seis anos depois do início da guerra, mas, desde essa altura, quer a Cruz Vermelha, quer as Nações Unidas e as ONGs, empenharam-se em ajudar as vítimas da guerra e foram mais além numa tentativa de resolver o conflito e construir a paz, assumindo uma abordagem maximalista da ajuda em geral. Quanto a questões de financiamento do desenvolvimento económico, vimos como a relativa abertura económica do Sri Lanka a obtenção de fundos do FMI e do BM, que não terão imposto fortes condicionalismos a essa ajuda, contrariamente ao que aconteceu com os doadores bilaterais. Caros colegas do ISEDEF, os doadores lidaram de três formas diferentes com o conflito: uns trabalharam à volta dele, evitando-o; outros estabeleceram uma ligação coerente entre os seus programas e o conflito, garantindo que a ajuda não o prejudicava; outros ainda centraram-se na questão do desenvolvimento, priorizando questões como direitos humanos e redução da pobreza. Esta última posição conduziu-nos ao debate sobre a divisão clássica entre ajuda humanitária e desenvolvimento, que motivou questões sobre o transporte de ajuda humanitária para as zonas controladas pelo LTTE e também sobre a necessidade de implementação de programas de reabilitação nessas mesmas zonas, à medida que a guerra se foi tornando uma “emergência prolongada”. Caros colegas, revimos as interrogações que se colocam sobre a alegada prematuridade da reabilitação em cenários de guerra, questão em relação à qual as opiniões se dividem. Se os doadores tradicionalistas temem o risco do investimento, os não- -tradicionalistas aceitam esse risco em nome da melhoria das condições económicas e sociais. Na segunda metade dos anos 90, predominou um conjunto de questões de fundo (a influência da ajuda no conflito e nos esforços de paz; o contributo da reabilitação e de reconstrução numa fase prematura para o processo de paz; a adequação das medidas de desenvolvimento a aplicar) que orientou as abordagens dos doadores, caros colegas. Se a abordagem tradicional insistiu em ignorar a existência da guerra, a abordagem dos DH preferiu apoiar ONGs e instituições dessa área, evitando a ajuda direta ao Governo. A abordagem compreensiva, por sua vez, manteve um programa de ajuda regular em coordenação com o Governo e com enfoque nas principais vítimas da guerra. A abordagem pró-activa priorizou a promoção da paz, através do apoio e reforço das políticas governamentais em áreas como a educação, reformas, DH, redução da pobreza. Por fim, analisámos a forma como cada um destes tipos de abordagem atuou de modo diferente face aos problemas emergentes nesta guerra, nomeadamente ao nível do ajustamento dos volumes de ajuda para incentivar o processo de paz, ao nível das posições manifestadas pelos doadores sobre a guerra e também ao nível do seu apoio oficial ao governo do Sri Lanka. Foram ainda analisadas questões como a lenta implementação dos projetos, a privatização dos serviços públicos, o défice orçamental e a reforma do sector público; o ritmo do processo político interno; a integração e o igual tratamento de todas as comunidades e a condicionalidade da ajuda. Caros colegas, podemos concluir que os doadores continuaram a apoiar o Governo, apesar de alguns manifestarem a sua impaciência face à lentidão do processo de paz. A principal ilação que se retira desta discussão é que a ajuda pode assumir muitas formas diferentes, consoante o tipo de política e abordagem dos doadores, e que esta pode influenciar o processo de guerra e construção da paz, embora a chave do problema esteja no interior do país. Saliente-se, no entanto, caros colegas, que é fundamental não separar questões económicas de questões políticas internas e tentar perceber o conflito de forma global e enquadrado no seu contexto histórico. Deu-se especial atenção às questões étnicas e às sensibilidades das diversas partes no conflito. Quando isso não aconteceu, a ajuda foi vista como o apoio a um dos lados do conflito, exacerbando tensões e agudizando o conflito. Em Dezembro de 2004, o Sri Lanka foi atingido pelo sismo e tsunami que provocou no Sudeste Asiático uma das maiores catástrofes humanas de que há memória. No Sri Lanka, morreram mais de 30.500 pessoas e várias centenas continuam ainda desaparecidas. Mais do que nunca, este país precisa da ajuda internacional. Talvez os erros do passado possam agora ser uma lição para o futuro, pois o Sri Lanka deve estar no coração de cada um de nós Moçambicanos, essencialmente aos docentes do ISEDEF. Caros colegas do ISEDEF, debater estes assuntos é mais do que a simples “livre-docência”, mas nos revela de como as” guerras civis são um mal” para a humanidade, por isso a sua eliminação é urgente. Conceber paradigmas para eliminar “o mal” é nossa tarefa como docentes do ISEDEF. Todas dúvidas, críticas ou contribuições sobre este debate, são “bem-vindas” para alicerçar os novos paradigmas da instituição. Meu email: dr.anly1962@gmail.com Meu contacto: 827138340 Meu site:www. dr-anly.blogspot.com “CLUBE DE OPINIAO CIENTIFICA”